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São Paulo, domingo, 07 de dezembro de 2003

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Condenado indevidamente, Mateus de Jesus Machado foi encarcerado duas vezes e ficou um ano e quatro meses na cadeia

Cobrador foi preso no lugar de um primo

DA REPORTAGEM LOCAL

Com a despreocupação de quem não deve nada, o cobrador de ônibus Mateus de Jesus Machado, 40, aceitou sem reclamar o convite de um oficial de Justiça que, sozinho, bateu na porta de sua casa e pediu que ele o acompanhasse até o distrito policial mais próximo para verificar um "pequeno problema".
No caminho do distrito, Machado lembrou do primo que morou de favor dois meses em sua casa e depois sumiu com seus documentos. Ingênuo, o cobrador de ônibus pensou que, se fosse um crime, as vítimas ou testemunhas poderiam atestar sua inocência e ele logo voltaria para casa.
Grande engano. Machado foi direto para a carceragem do 38º DP (Vila Amália), zona norte de São Paulo. Pai de três filhos adolescentes, ficou preso por um ano e quatro meses por crimes que não cometeu, segundo decisões judiciais que já o inocentaram. Saiu da cadeia em junho passado.
Quando Machado chegou ao 38º DP, não havia vítimas ou testemunhas no distrito, como ele pensava. Ele já estava condenado pela Justiça a dois anos e oito meses por furto e tentativa de roubo em Várzea Paulista (63 km de SP).
Mas o verdadeiro criminoso era o primo, que colocou sua foto na cédula de identidade de Machado e a apresentou ao ser preso. Depois disso, o primo foi libertado, mas o Ministério Público recorreu e a sentença foi fixada em dois anos e oito meses.
"Eu falava que era o meu primo, mas os policiais só davam risada. Diziam que na cadeia todos falam que são inocentes", afirmou Machado. Condenado ao regime semi-aberto, ele ainda ficou cinco meses fechado na carceragem do distrito à espera de vaga, em 1998. "Dormia no chão, passava frio. Eram quarenta presos em uma cela de quatro por quatro metros", lembrou ele.
Depois foi transferido para Mongaguá (litoral paulista). Ficou mais três meses no regime semi-aberto até que, em uma saída autorizada para o Dia dos Pais, não voltou mais. Sem outro lugar para ir, voltou para casa.
Um mutirão da PAJ (Procuradoria de Assistência Judiciária) descobriu o caso de Machado, segundo a procuradora Rosana Arruda Bonomo, que atuou no processo. A PAJ alegou inocência do cobrador, só que a decisão judicial o inocentando só saiu em 2001. Se não tivesse fugido, ele teria cumprido toda a pena.
Foragido, Machado não ficou sabendo que, para a Justiça, a história já estava esclarecida. Só que, por outro erro, essa informação não foi repassada ao IRGD, e em sua folha de antecedentes ele ainda constava como foragido.
Em novembro de 2002, mesmo com a decisão do juiz que o inocentou, Machado voltou a ser preso. Passou oito meses fechado na carceragem do 38º DP.
Hoje, sem conseguir emprego, Machado faz bicos como servente de pedreiro. "Foi um inferno. Vi muitos presos apanharem de outros por causa de rixas e de facção", disse.
"Ele simplesmente foi jogado na cadeia e deixado lá", afirmou o advogado Aldo Soares, que pretende entrar com uma ação por danos morais contra o Estado.
(GILMAR PENTEADO)


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