São Paulo, quarta-feira, 07 de dezembro de 2005

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Britânico critica banalização da vida

CRISTINA TARDÁGUILA FERREIRA
COLABORAÇÃO PARA A FOLHA, DO RIO

A sociedade carioca vê os efeitos de conviver com uma geração de jovens criada em comunidades dominadas por facções criminosas e armas de fogo. Uma geração que, a exemplo da jovem de 13 anos que participou do ataque ao ônibus 350 com passageiros dentro, parece considerar natural situações de violência extrema e barbárie.
É a análise do antropólogo britânico Luke Dowdney, 33, que, durante cinco anos, estudou a situação de crianças no tráfico em 25 favelas do Rio. Com ajuda do Iser (Instituto de Estudos e Religião) e da ONG Viva Rio, em que foi voluntário, a pesquisa e o trabalho de campo -chegou a viver em algumas comunidades- resultaram no livro "Crianças do Tráfico" (editora 7 Letras).
"Os menores demonstravam remorso, mas sempre diziam que viam a morte todos os dias, o que os fazia considerar isso normal. Essa banalização é a maior tragédia. A vida passa a ser muito barata para eles", diz Dowdney.
Para ele, o número de crianças no tráfico só crescerá, e elas serão cada vez mais ativas. Se nada for feito, os adolescentes passarão a se envolver cada vez mais cedo por não terem outra opção e porque muitos estão morrendo e precisam ser substituídos. Leia trechos de sua entrevista à Folha:

 

Folha - Por que parece haver mais crianças no tráfico?
Luke Dowdney -
Porque, pela primeira vez, há uma geração de adolescentes que cresceu em comunidades integralmente controladas por facções criminosas. São jovens que não se lembram de uma época em que as ruas não tinham armas. Eles vivem em uma situação extrema de violência, na qual a agressão, as armas de fogo e a morte são mesmo banais.

Folha - Como explicar a aparente falta de remorso de adolescentes como a jovem de 13 anos que participou do ataque à linha 350?
Dowdney -
Não conversei com essa menina, mas já entrevistei muitas crianças que cometeram assassinatos. Elas costumam mostrar remorso, sim, mas sempre dizem que vêem a morte todos os dias desde muito cedo, algumas a partir de cinco anos. Isso faz com que elas passem a considerar toda a barbárie muito natural. Essa banalização é que é a verdadeira tragédia da história. A vida se torna muito barata para eles.

Folha - Como esses jovens devem ser tratados pela sociedade?
Dowdney -
Essas crianças são vítimas e agressores ao mesmo tempo, daí a dificuldade de saber como tratá-las. Não estou tentando desculpá-las, mas acho que temos de entender que a sociedade deixou que elas crescessem nesse ambiente hostil e, agora, precisa assumir a responsabilidade por esse fruto. Estamos começando a pagar agora por um processo histórico que começou nos anos 70 e vem crescendo com o aumento do número de armas de fogo em circulação. Precisamos nos esforçar para levar esses jovens a um sistema socioeducativo que garanta a entrada deles na sociedade de forma produtiva e pacífica.

Folha - Por que crianças e adolescentes vão parar no crime?
Dowdney -
Porque não têm outra opção. Todos os que entrevistei tinham a certeza de que seriam presos ou de que morreriam antes dos 18 anos, mas, mesmo assim, decidiram entrar nessa vida, alegavam não ter outra saída.

Folha - O que jovens e crianças perdem entrando para o tráfico?
Dowdney -
A infância. Eles acabam sendo forçados a virar adultos do dia para a noite. Quando as normas internas não são seguidas, morrem.


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