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Britânico critica banalização da vida
CRISTINA TARDÁGUILA FERREIRA
COLABORAÇÃO PARA A FOLHA, DO RIO
A sociedade carioca vê os efeitos
de conviver com uma geração de
jovens criada em comunidades
dominadas por facções criminosas e armas de fogo. Uma geração
que, a exemplo da jovem de 13
anos que participou do ataque ao
ônibus 350 com passageiros dentro, parece considerar natural situações de violência extrema e
barbárie.
É a análise do antropólogo britânico Luke Dowdney, 33, que,
durante cinco anos, estudou a situação de crianças no tráfico em
25 favelas do Rio. Com ajuda do
Iser (Instituto de Estudos e Religião) e da ONG Viva Rio, em que
foi voluntário, a pesquisa e o trabalho de campo -chegou a viver
em algumas comunidades- resultaram no livro "Crianças do
Tráfico" (editora 7 Letras).
"Os menores demonstravam
remorso, mas sempre diziam que
viam a morte todos os dias, o que
os fazia considerar isso normal.
Essa banalização é a maior tragédia. A vida passa a ser muito barata para eles", diz Dowdney.
Para ele, o número de crianças
no tráfico só crescerá, e elas serão
cada vez mais ativas. Se nada for
feito, os adolescentes passarão a
se envolver cada vez mais cedo
por não terem outra opção e porque muitos estão morrendo e precisam ser substituídos. Leia trechos de sua entrevista à Folha:
Folha - Por que parece haver
mais crianças no tráfico?
Luke Dowdney - Porque, pela
primeira vez, há uma geração de
adolescentes que cresceu em comunidades integralmente controladas por facções criminosas.
São jovens que não se lembram de
uma época em que as ruas não tinham armas. Eles vivem em uma
situação extrema de violência, na
qual a agressão, as armas de fogo e
a morte são mesmo banais.
Folha - Como explicar a aparente
falta de remorso de adolescentes
como a jovem de 13 anos que participou do ataque à linha 350?
Dowdney - Não conversei com
essa menina, mas já entrevistei
muitas crianças que cometeram
assassinatos. Elas costumam
mostrar remorso, sim, mas sempre dizem que vêem a morte todos os dias desde muito cedo, algumas a partir de cinco anos. Isso
faz com que elas passem a considerar toda a barbárie muito natural. Essa banalização é que é a verdadeira tragédia da história. A vida se torna muito barata para eles.
Folha - Como esses jovens devem
ser tratados pela sociedade?
Dowdney - Essas crianças são vítimas e agressores ao mesmo
tempo, daí a dificuldade de saber
como tratá-las. Não estou tentando desculpá-las, mas acho que temos de entender que a sociedade
deixou que elas crescessem nesse
ambiente hostil e, agora, precisa
assumir a responsabilidade por
esse fruto. Estamos começando a
pagar agora por um processo histórico que começou nos anos 70 e
vem crescendo com o aumento
do número de armas de fogo em
circulação. Precisamos nos esforçar para levar esses jovens a um
sistema socioeducativo que garanta a entrada deles na sociedade
de forma produtiva e pacífica.
Folha - Por que crianças e adolescentes vão parar no crime?
Dowdney - Porque não têm outra opção. Todos os que entrevistei tinham a certeza de que seriam
presos ou de que morreriam antes
dos 18 anos, mas, mesmo assim,
decidiram entrar nessa vida, alegavam não ter outra saída.
Folha - O que jovens e crianças
perdem entrando para o tráfico?
Dowdney - A infância. Eles acabam sendo forçados a virar adultos do dia para a noite. Quando as
normas internas não são seguidas, morrem.
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