São Paulo, segunda-feira, 08 de janeiro de 2007

Texto Anterior | Próximo Texto | Índice

MOACYR SCLIAR

Promessas, promessas

Um terço das promessas de Ano Novo é abandonada em uma semana. O Ano Novo é, tradicionalmente, a ocasião para se fazer uma declaração de boas intenções, como parar de fumar ou começar uma dieta. Uma em cada três promessas, porém, é abandonada depois de uma semana, segundo pesquisa publicada em um site britânico. Um terço das pessoas que decidem, por exemplo, começar uma dieta mais equilibrada ou freqüentar uma academia de ginástica desistem de fazê-lo em poucos dias. Uma promessa em cada sete nem chega a sobreviver algumas horas; 14% delas duram apenas um dia, mostra o estudo, realizado com 2.000 pessoas. Folha Online, 2 de janeiro


MUITAS PESSOAS iniciam o ano com festas, com celebrações. Ele iniciou com uma aventura. Aos 32 anos, solteiro, não tinha com quem repartir a alegria das comemorações. Costumava, pois, ir a um bar perto de sua casa, um lugar em que se reuniam solitários como ele, que ali ficavam bebendo e olhando tevê. Na noite de Ano Novo ele ali conhecera uma mulher, já não muito nova, mas atraente, simpática.
A afinidade foi instantânea; dali foram direto para o motel. Dessa noite de paixão ele pouco lembrava; mas recordava, sim, de ter dito, num instante de arrebatamento, que ela era a mulher de sua vida e que jamais a esqueceria. No dia seguinte, contudo, teve de viajar às pressas. Sua mãe, que morava em Recife, tivera um problema de saúde e ele estava sendo chamado com urgência. Depois da habitual e enervante espera no aeroporto, finalmente chegara à capital pernambucana, onde, de imediato, se envolvera com médicos e hospitais. Tudo resolvido, e, felizmente bem resolvido, ele voltou a São Paulo no fim de semana seguinte. Àquela altura, a aventura do Ano Novo tinha praticamente sumido de sua lembrança, mesmo porque 2007 já estava a pleno vapor.
Aí leu a notícia sobre as promessas que as pessoas fazem na passagem do ano e não cumprem. Um problema que até então ele não tivera, simplesmente porque nunca havia feito promessas. Não fumava, e portanto não precisava deixar de fumar, não era obeso e portanto não precisava de dieta, não era sedentário e portanto não precisava de academia. Mas, e a promessa que ele fizera à mulher com quem entrara no Ano Novo? A mulher de sua vida, aquela que ele jamais esqueceria?


Não seria dos que prometem mas não cumprem. Ele agora faria parte do grupo dos íntegros, dos autênticos


Deu-se conta, então, de que aquilo havia sido uma regra em sua existência: jamais se comprometera com nada. Sua ligação com a família era tênue; no emprego, cumpria suas obrigações, mas não passava disso. Não se envolvia com política, não fazia parte de nenhuma ONG, não freqüentava igrejas ou templos, não tinha sequer amigos de verdade, só conhecidos. A promessa que fizera à mulher era, portanto, uma tentativa de mudar, de se tornar uma outra pessoa. Cumprir essa promessa era mais do que uma questão de decência, era um passo decisivo.
Que ele precisava dar. Não seria daqueles que prometem mas não cumprem. Ele agora faria parte do grupo dos íntegros, dos autênticos. Tudo o que precisava fazer era entrar em contato com a mulher do bar. Se ao menos lembrasse o nome dela.
MOACYR SCLIAR escreve, às segundas-feiras, um texto de ficção baseado em notícias publicadas na Folha


Texto Anterior: Jovem atribui não-pagamento a desemprego
Próximo Texto: Consumo: Noivo compra apartamento, mas não consegue se mudar
Índice


Copyright Empresa Folha da Manhã S/A. Todos os direitos reservados. É proibida a reprodução do conteúdo desta página em qualquer meio de comunicação, eletrônico ou impresso, sem autorização escrita da Folhapress.