São Paulo, domingo, 08 de fevereiro de 2004

Texto Anterior | Próximo Texto | Índice

Programas de caráter assistencial não garantem melhora do ensino na rede municipal, afirmam educadores

Para especialistas, falta projeto pedagógico

DA REPORTAGEM LOCAL

Para educadores ouvidos pela Folha, as ações de educação da prefeitura não são orientadas por um projeto pedagógico claro, que priorize determinados métodos de ensino e capacitação de professores, por exemplo. Segundo eles, a opção por programas de caráter assistencial, como a distribuição de uniformes e de material escolar, não garante a melhora do aprendizado.
Na opinião da educadora Maria Malta Campos, pesquisadora da Fundação Carlos Chagas, a atual gestão ainda deve à sociedade a definição de propostas claras de orientação curricular e capacitação de professores. "Há uma certa desorientação. A proposta pedagógica ainda é muito genérica", afirmou.
"Quando se constrói um CEU [Centro Educacional Unificado] em vez de 12 EMEIs [escolas de ensino infantil], ou quando se dá uniformes, é uma opção de política educacional. Mas isso não está claro. Falta transparência sobre as opções que são tomadas quando se tem poucos recursos."
Ela acredita que o "entra-e-sai" de secretários da Educação, no início da gestão, acabou prejudicando a implantação de um plano pedagógico para a rede. Antes da atual secretária, Maria Aparecida Perez, passaram pela pasta os educadores Fernando de Almeida, Nélio Bizzo e Eny Maia.
Na avaliação da educadora Elvira Souza Lima, que presta consultoria para sete prefeituras, proporcionar boas condições materiais aos alunos melhora as condições de aprendizado, mas não resolve. "Se fosse assim, não haveria déficit de aprendizagem no Japão e nos Estados Unidos. É fundamental que isso venha acompanhado por uma proposta consistente de ensino."
Para ela, o material deveria ser definido pelas próprias escolas, segundo suas necessidades. "Em Coronel Fabriciano [MG], por exemplo, foi incluído um alfabeto móvel para alunos com dificuldade de aprendizagem."
Para Célio Silva, 44, secretário-executivo da ONG Missão Criança, "os resultados desse tipo de ação e de benefício, vistos fora de um contexto de Bolsa-Escola, que evita que a criança trabalhe, são menos efetivos do que quando eles estão em uma política integrada". "Sem políticas estratégicas, as iniciativas da educação caem em um espaço, no mínimo, nebuloso", avalia.

Universalidade
Mesmo com ressalvas, os educadores reconhecem a importância de programas que beneficiam alunos pobres e suas famílias. "Há pesquisas que mostram que as crianças se sentem humilhadas quando não têm o material. Isso é um fator de afastamento da escola", afirma Maria Malta Campos. Mas alguns especialistas consideram desnecessário o caráter universal das iniciativas.
O programa mais polêmico é o dos uniformes. Leny Magalhães Mrech, professora da USP especialista em educação inclusiva, afirma que a reação dos alunos ao receber o uniforme vai da comemoração à rejeição total. E isso implica desperdício.

Visibilidade
Para Campos, a distribuição de uniformes tem forte apelo popular e dá visibilidade política, o que não acontece com outras questões que influem diretamente no desempenho escolar do aluno, como um professor motivado e capacitado, menor número de estudantes por classe e um prédio escolar bem equipado.
Elvira Souza Lima também não considera o uniforme uma prioridade. Propiciar materiais para o desenvolvimento da memória da criança ou melhorar as condições da escola para o aprendizado são necessidades mais urgentes, na opinião da educadora.
Em defesa da prefeitura, o ex-secretário municipal da Educação Fernando Almeida afirma que os três programas "tem de ser avaliados em conjunto, porque assim fazem uma diferença notável para os alunos da escola pública". Para ele, essas ações devem ser avaliadas em conjunto. "Se cada uma delas for descontextualizada, será considerada assistencialista e panfletária".
O programa mais elogiado pelos educadores é o do transporte gratuito. "Estudar pressupõe a condição de chegar à sala de aula e de voltar para casa. Uma das principais causas de morte de crianças na periferia de São Paulo é atropelamento. Quando a prefeitura dá transporte a uma criança que ia a pé para a escola, viabiliza não só a educação, mas também a sobrevivência da criança", diz Almeida.

Monitoramento
A ONG Ação Educativa analisou os recursos investidos pelo município em educação em 2003. Para a entidade, a secretaria destinou "recursos substanciais a esses programas [de educação inclusiva] e na construção dos CEUs, ao passo que focos fundamentais, como educação de jovens e adultos e formação, não receberam a mesma prioridade".
"Questionamos a ênfase dada a esses programas [de educação inclusiva] em relação às demais demandas para uma educação de qualidade. É importante termos uma melhor visibilidade da distribuição de recursos para compreendermos com maior clareza a escala de prioridades da secretaria", avalia Camilla Cruso Silva, coordenadora do programa Observatório da Educação e da Juventude da ONG. (CC e FM)


Texto Anterior: Estado diz que procura é maior
Próximo Texto: Meta de 45 CEUs não será cumprida
Índice



Copyright Empresa Folha da Manhã S/A. Todos os direitos reservados. É proibida a reprodução do conteúdo desta página em qualquer meio de comunicação, eletrônico ou impresso, sem autorização escrita da Folhapress.