São Paulo, domingo, 08 de fevereiro de 2004

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COMPORTAMENTO

Muitas pessoas criaram bicho na infância ou desaprovam métodos de criação e de abate de animais

Relações afetivas tiram certas carnes do cardápio

ROBERTO DE OLIVEIRA
DA REVISTA

Pode-se dizer que a apresentadora de TV Mariana Dib, 26, ficou com um porco entalado na garganta. A imagem do leitão rodando num imenso espeto giratório azedou o que era para ser um divertido churrasco de sábado à tarde no campo e baniu a carne suína de seu cardápio. "Dá um aperto no coração só de lembrar. Ele foi assado inteiro. Ficou horas rodando embaixo do carvão, com aqueles garfos entrelaçados. A cara era triste, como se estivesse nos olhando com piedade", lembra.
Quando finalmente o porco foi servido, ela surtou. "Fiquei indignada pelas pessoas ainda conseguirem comer o bichinho", conta a apresentadora da Rede Mulher. Carnívora assumida, continua comendo carne, mas só bovina e de frango. "Acho que, se assistisse ao abate de uma vaca ou galinha, talvez virasse vegetariana."
Como Mariana, uma parcela significativa de pessoas não come um ou outro tipo de carne por dó, motivada por razões afetivas ou emocionais. Ou porque criaram um bichinho igual na infância -um coelho ou pato, por exemplo- ou porque se incomodam com a forma de criação e abate.
"O sentimento de pena é uma influência ocidental e cristã", explica a antropóloga da USP Lux Vidal, 74. Para muita gente, principalmente em áreas urbanas, o abate está relacionado a dor, sofrimento. Além disso, diz ela, o homem adota uma relação mais humanizada com certos tipos de animal de criação, o que acaba tornando o seu consumo inviável.
Os hábitos alimentares são meramente culturais, diz a antropóloga. Em todas as sociedades existem tabus. A Índia serve cérebro de carneiro, mas não permite vaca, considerada animal sagrado.
Na esfera pessoal, então, a margem de idiossincrasias pode ser maior e aparentemente mais ilógica. Na lista de "proibições" da terapeuta corporal Andrea Gonçalves Pereira, 32, comer patê de foie gras (fígado de ganso), carne de vitelo ou galeto seria como "matar uma criança". Mas ela come carne de vaca normalmente. "A vaca é o único animal de que a gente aproveita tudo", justifica.
As lembranças da infância parecem ser determinantes nos hábitos alimentares de boa parte dos consumidores. Assim como a terapeuta, a modelo Decimarie Souza, 14, não come vitelo (o novilho morto seis meses depois de nascer) por associá-lo a dois bezerros, Pintinha e Pretinho, com quem dividiu o final de sua infância em uma fazenda no interior da Bahia. "Como de tudo, mas só de imaginar que os vitelos ainda são bebês, me angustia", diz. "Na Europa, sei que esse tipo de carne é popular. Acho que é uma questão de costume."

Bem-estar
A verdade é que nunca houve tamanha preocupação com o bem-estar dos animais como atualmente. Quando a Revista publica, por exemplo, receitas de vitela ou de foie gras na seção Comida, há sempre cartas para a redação, protestando contra o incentivo ao consumo.
Parte do fenômeno está relacionada ao crescimento do mercado de animais de estimação, mas há outros fatores. "O homem está deixando de se ver como centro do universo, começa a perceber que os animais são criaturas interessantes, que geram empatia. Há uma série de programas de TV sobre animais", explica o professor Carlos C. Alberts, 43, etólogo (especialista em comportamento animal) da Unesp. Mas ele faz ressalva: "O ser humano é onívoro, se alimenta de carne e vegetal".
Para isso, afirmam os produtores, é fundamental comer carne de empresas que passam por inspeção. "Todo processo de bem-estar animal é garantido no sistema legal de abate", diz o agrônomo Angelo Stefani, 34, assessor da ABC (Associação Brasileira de Criadores). Segundo Angelo, a insensibilização do animal, em frigoríficos inspecionados, é feita para que os bichos não sofram.


Leia a íntegra da reportagem no site www.uol.com.br/revista


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