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Fotógrafo acorda às 6h30, põe tapa-ouvidos e volta a dormir
"Acordar e já ter 20 mil carros passando na janela é insalubre", diz vizinho do Minhocão
Mas a vista do edifício onde mora há dez anos também
é inspiradora, afirma ele, que já viu casamentos, brigas e até cenas de sexo
LETICIA DE CASTRO
DA REPORTAGEM LOCAL
Todos os dias, o fotógrafo Felipe Morozini, 34, desperta
pontualmente às 6h30 e, ainda
com os olhos fechados, alcança
os tampões de ouvido guardados na cabeceira da cama. Ele
mora no 13º andar de um prédio na av. São João que tem o
elevado Costa e Silva quase como prolongamento da sacada.
Depois de dez anos na região,
aprendeu a conviver com o barulho. Basta proteger os ouvidos com os tampões para o sono continuar até por volta das
9h. "A sensação de acordar e já
ter 20 mil carros passando na
sua janela é insalubre."
Dos amplos janelões do apartamento, acompanha de perto a
rotina daquela região da cidade.
Às 18h, a hora do rush, a enorme quantidade de automóveis
faz o trânsito parar, deixando
apenas as motos passarem. É
quando o zumbido dos carros
dá lugar a uma sinfonia de buzinas de motos.
A vista do apartamento vai
muito além do Minhocão e permite espreitar até a serra que
marca o fim da cidade. Mesmo
assim, as janelas permanecem
fechadas o dia inteiro.
O excesso de decibéis com
que convive deixa o fotógrafo
especialmente sensível. "O telefone me irrita. É mais um barulho entrando." Para fazer o
contraponto, a música se espalha por todo o apartamento,
onde também funciona o seu
estúdio fotográfico.
O alívio só vem às 21h30,
quando a via é fechada. "É a hora em que eu consigo conversar
com as pessoas, posso abrir a
janela e respirar."
Subsíndico do prédio onde
mora, Morozini conta que os
moradores só conseguem assistir à TV com o volume entre os
números 78 e 95, em uma escala que chega a 100. "É cruel."
Mas nem tudo é sofrimento
quando se vive no centro nervoso de Sâo Paulo. A proximidade com "a cidade que não para" é também inspiradora. Desde que se mudou para lá, há dez
anos, Morozini registra diariamente o cotidiano do Minhocão. Da varanda de sua cobertura de 250 metros quadrados,
herdada da bisavó, já registrou
casamentos, transporte de animais, brigas e até cenas de sexo.
Em setembro do ano passado, juntou 25 amigos para homenagear o local. Numa manhã
de domingo, pintaram flores de
cal no asfalto do Minhocão. A
intervenção, batizada "Jardim
Suspensos da Babilônia", foi registrada em um curta-metragem, premiado em Nova York.
A convivência com um projeto que considera um grande erro urbanístico despertou no fotógrafo o interesse pelo assunto. Passou a estudar e ler os
clássicos, como a americana Jane Jacos, autora de "Morte e
Vida nas Grandes Cidades".
Por isso, defende a demolição
do Minhocão, mas não crê na
promessa feita pelo prefeito
Gilberto Kassab (DEM) anteontem. "Estou aqui há dez
anos, já ouvi muitos prefeitos
com projetos mirabolantes,
mas nada sai do papel."
FOLHA ONLINE
Veja o curta-metragem
"Jardim Suspenso da
Babilônia"
www.folha.com.br/1012715
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