São Paulo, sábado, 08 de maio de 2010

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Fotógrafo acorda às 6h30, põe tapa-ouvidos e volta a dormir

"Acordar e já ter 20 mil carros passando na janela é insalubre", diz vizinho do Minhocão

Mas a vista do edifício onde mora há dez anos também é inspiradora, afirma ele, que já viu casamentos, brigas e até cenas de sexo

LETICIA DE CASTRO
DA REPORTAGEM LOCAL

Todos os dias, o fotógrafo Felipe Morozini, 34, desperta pontualmente às 6h30 e, ainda com os olhos fechados, alcança os tampões de ouvido guardados na cabeceira da cama. Ele mora no 13º andar de um prédio na av. São João que tem o elevado Costa e Silva quase como prolongamento da sacada.
Depois de dez anos na região, aprendeu a conviver com o barulho. Basta proteger os ouvidos com os tampões para o sono continuar até por volta das 9h. "A sensação de acordar e já ter 20 mil carros passando na sua janela é insalubre."
Dos amplos janelões do apartamento, acompanha de perto a rotina daquela região da cidade.
Às 18h, a hora do rush, a enorme quantidade de automóveis faz o trânsito parar, deixando apenas as motos passarem. É quando o zumbido dos carros dá lugar a uma sinfonia de buzinas de motos.
A vista do apartamento vai muito além do Minhocão e permite espreitar até a serra que marca o fim da cidade. Mesmo assim, as janelas permanecem fechadas o dia inteiro.
O excesso de decibéis com que convive deixa o fotógrafo especialmente sensível. "O telefone me irrita. É mais um barulho entrando." Para fazer o contraponto, a música se espalha por todo o apartamento, onde também funciona o seu estúdio fotográfico.
O alívio só vem às 21h30, quando a via é fechada. "É a hora em que eu consigo conversar com as pessoas, posso abrir a janela e respirar."
Subsíndico do prédio onde mora, Morozini conta que os moradores só conseguem assistir à TV com o volume entre os números 78 e 95, em uma escala que chega a 100. "É cruel."
Mas nem tudo é sofrimento quando se vive no centro nervoso de Sâo Paulo. A proximidade com "a cidade que não para" é também inspiradora. Desde que se mudou para lá, há dez anos, Morozini registra diariamente o cotidiano do Minhocão. Da varanda de sua cobertura de 250 metros quadrados, herdada da bisavó, já registrou casamentos, transporte de animais, brigas e até cenas de sexo.
Em setembro do ano passado, juntou 25 amigos para homenagear o local. Numa manhã de domingo, pintaram flores de cal no asfalto do Minhocão. A intervenção, batizada "Jardim Suspensos da Babilônia", foi registrada em um curta-metragem, premiado em Nova York.
A convivência com um projeto que considera um grande erro urbanístico despertou no fotógrafo o interesse pelo assunto. Passou a estudar e ler os clássicos, como a americana Jane Jacos, autora de "Morte e Vida nas Grandes Cidades".
Por isso, defende a demolição do Minhocão, mas não crê na promessa feita pelo prefeito Gilberto Kassab (DEM) anteontem. "Estou aqui há dez anos, já ouvi muitos prefeitos com projetos mirabolantes, mas nada sai do papel."

FOLHA ONLINE
Veja o curta-metragem "Jardim Suspenso da Babilônia"
www.folha.com.br/1012715



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