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PASQUALE CIPRO NETO
"Júnior foi um dos que provocou..."
Terminado o memorável embate entre palestrinos e corintianos, ouvi um major da Polícia Militar de São Paulo pronunciar-se a respeito da destruição de parte das numeradas do estádio do tricolor paulista. Disse o policial que "Júnior (jogador do Palmeiras) foi um dos que provocou os torcedores corintianos". O bom repórter Luís Carlos Quartarolo, da rádio Jovem Pan, imediatamente retrucou: "O senhor disse "um dos". Quem mais provocou?". Guarde a intervenção do repórter para daqui a pouco.
Terá o policial acertado ao empregar a forma "provocou"? A resposta se baseará em uma questão da segunda fase do vestibular da Fuvest de 1997, que se apoiava neste trecho, publicado por um grande jornal: "No dia 19, Juscelino registrou a amargura que lhe dominava: "Não estou bem por dentro", anotou. "Uma das razões que tornaram (sic) triste a longa permanência na fazenda é a ausência de alguns amigos'".
Depois de apresentar o texto, a banca começava a questão: "Usa-se sic entre parênteses, numa citação, para indicar que o texto original é aquele mesmo, por errado ou estranho que pareça". Em seguida, a banca pedia ao aluno que apresentasse "uma justificativa para aceitar ou não o sic usado pelo autor do texto".
"Sic" (palavra latina que significa "assim", "deste modo") quase sempre tem tom irônico. Quem a emprega quer chamar a atenção do leitor para o "erro". O redator viu erro em "tornaram"; para ele, o correto seria "tornou".
A pergunta que o repórter da Pan fez ao major dá a pista para a resposta à questão da Fuvest. Se alguém além de Júnior provocou os torcedores, o lateral do Palmeiras não foi o único. Isso significa que, dos que provocaram, Júnior foi um. Então Júnior foi um dos que provocaram os corintianos.
O mesmo raciocínio cabe para responder à questão da Fuvest. Não há justificativa para aceitar o "sic". Afinal, várias razões tornaram triste a longa permanência na fazenda. A ausência de alguns amigos é apenas uma dessas razões (que tornaram triste a longa permanência na fazenda).
Ironicamente, a banca formulou um segundo item na mesma questão: "Há no texto uma construção que justifica o emprego do sic. Transcreva-a, aplicando o sic no lugar adequado".
Esse segundo item funcionava como verdadeira "dica" para o candidato. A banca quase deixava claro que não havia justificativa para o "sic" do redator. Restava ao aluno dizer por quê.
Bem, e o segundo item? O "sic" seria colocado depois do "lhe". Por quê? Porque no português padrão só se emprega o pronome "lhe" com verbos indiretos ("Digo a você/Digo-lhe"; "Peça ao presidente/Peça-lhe"). O verbo "dominar" não é indireto. Se alguém domina, domina alguém, não a alguém. O "lhe" deveria ser trocado por "o": "...a amargura que o dominava".
Também mereço um "sic". Explico. No último domingo, foi ao ar minha participação no programa "Frente a Frente", da Rede Vida, comandado pelo acadêmico Arnaldo Niskier. Depois de uma hora de entrevista, soltei um inadequado "compreensivo" ("O português de Xanana Gusmão é bastante compreensivo"). Compreensivo deve ser você comigo. O português de Gusmão é compreensível mesmo. É isso.
Pasquale Cipro Neto escreve nesta coluna às quintas-feiras.
E-mail - inculta@uol.com.br
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