São Paulo, sábado, 08 de agosto de 2009

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WALTER CENEVIVA

Mesclando sequestros e enteados


Damos mais atenção aos fatos políticos e às irregularidades no Congresso e menos à criação de leis novas -boas ou más

UMA CRÍTICA frequente ao Congresso Nacional, a ineficiência no cumprimento de sua função fundamental (legislar), é acompanhada por um efeito secundário: damos mais atenção aos fatos políticos e às irregularidades e menos à criação de leis novas -boas ou más. Parte dos projetos vem do Executivo, mas isso não afeta a importância de uma discussão qualificada.
Servem de exemplo as recentes leis de nº 12.010 (modifica o instituto da adoção), nº 11.924 (o enteado pode adotar o sobrenome do padrasto ou da madrasta) e nº 11.923 (muda o enquadramento do sequestro). Não é possível concentrar, em uma coluna, o comentário das três.
Trato hoje de duas delas. Depois falarei da nova adoção.
A lei nº 11.924 satisfaz direito fundamental do enteado, ou seja, do filho da mãe ou do pai que se casou novamente, em relação ao novo cônjuge e lhe permite que assuma o sobrenome daquele que não for seu genitor originário.
A lei nº 11.923 muda o enfoque do sequestro, que tinha fraca dosagem punitiva no artigo 158 do Código Penal. Neste era tratado como uma das formas de extorsão.
Consistia em "constranger alguém mediante violência ou grave ameaça e com o intuito de obter para si, ou para outrem, indevida vantagem econômica, ou fazer, ou tolerar que se faça, ou deixar de fazer alguma coisa". A pena era de reclusão de quatro a dez anos e multa. O artigo não priorizava a vítima e seu sofrimento, mas a vantagem econômica visada pelo delinquente.
O novo parágrafo 3º, acrescido ao artigo 158, enquadra a restrição da liberdade da vítima como condição necessária para a obtenção de vantagem criminosa.
A reclusão passou a ser de seis a doze anos. Havendo lesão corporal grave ou morte, aplica-se o maior agravamento. A mudança, mesmo no caso do sequestro relâmpago, resguarda a pessoa da vítima, preserva o elemento jurídico fundamental, que é a vida.
A lei nº 11.924 alterou o artigo 57 da Lei dos Registros Públicos. Autorizou a mudança do sobrenome de quem assumiu a condição de enteado de um dos cônjuges.
Novo parágrafo 8º do artigo 57 permite que o enteado ou a enteada requeira, ao juiz competente, averbação modificativa de seu registro de nascimento. Deve expor motivo ponderável, trazer expressa autorização do padrasto ou da madrasta, sem prejuízo do sobrenome de sua família originária.
O texto da nova lei refere "apelidos de família". É uma impropriedade, porque o Código Civil substituiu essa reminiscência do direito português pela forma usual do idioma, como é falado no Brasil, ou seja, "sobrenomes".
Tirante o defeito, a lei merece aplausos, ao autorizar o liame entre o filho ou a filha e aquele com quem se criou a relação familiar gerada pelo novo matrimônio. Altera a estrutura da família ao afastar os nomes do pai ou da mãe biológicos.
Já vai longe o tempo em que apenas a filiação biológica autorizava o sobrenome dos ascendentes diretos.
A solução dada está de acordo com o artigo 227 da Constituição, cujo parágrafo 6º impõe tratamento igualitário para todos os filhos, biológicos ou não, vedada qualquer distinção em face de seus pais.
A referência a motivo ponderável é justa, tomada em seu sentido habitual. Ou seja, somente em caso grave, com impugnação válida, o juiz indeferirá o pedido.


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