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CECILIA GIANNETTI
Bota abaixo 2
Mal nos livramos do horrendo obelisco e da inútil passarela de Ipanema e nos vêm com esse projeto de destruir a Rio Branco
ANTES de se pensar em transformar a Rio Branco, no Rio
de Janeiro, em um idílico parque verde sob céu risonho e límpido,
e varrer definitivamente dessa importante avenida carros e ônibus (!);
antes de se levar a cabo um projeto
metido a bossa nova que poderá
(ora, deverá) acarretar uma sobrecarga de tráfego noutras vias do centro; antes de arvorar-se em gastar
milhões em chafarizes, quiosques de
comes e bebes e mobiliário urbano
(exemplo: bancos "antimendigos",
com divisórias que impedem que a
população em situação de rua os faça de cama)...
Bom, antes de todo esse vigor que
temos percebido na defesa da prefeitura em relação a obras que destruirão uma avenida centenária e vital para o trânsito da cidade -por
mais engruvinhado que seja atualmente aquele funil-, não seria mais
prudente recuperar primeiro os
parques já existentes no Rio?
Isso mesmo, aqueles que cruzamos sem poder ignorar a má conservação explícita em pichações, o mau
cheiro, os brinquedos quebrados, o
mato crescendo, os quiosques de
lanches sem higiene etc.
A ausência de guardas-civis nessas
áreas também se faz notar, principalmente quando o cidadão desavisado passa por um parque Tom Jobim ou o do Penhasco Dois Irmãos e
sai sem carteira, relógio e celular.
Citando aqui apenas a zona sul,
para não nos perdermos no infinito
o conteúdo da caixa de Pandora das
demais zonas, que poderiam estar
mais bem tratadas.
E quem sabe não vale a pena ainda, antes de plantar esses milhões
destinados ao projeto qual grama no
chamado Rio Verde, dar uma atençãozinha à gurizada que está se acabando no crack ali mesmo e arredores, pelas regiões do centro, Lapa,
Glória? O que se chama de urbanismo passa por esse departamento
também.
Ou quem vocês acham que frequentará o Rio Verde, quando vários
outros parques do Rio deixarem de
ser vigiados pela guarda?
Não, não proponho mais uma rodada de carrocinhas que carreguem
feito bichos até abrigos os filhotes da
rua, magriços, doentes. Mas prioridades outras, além de um Rio Verde
a destruir a Rio Branco, há.
O projeto encanta -no papel, um
Rio de Janeiro utópico; propõe um
parque urbano com cerca de dois
milhões de metros quadrados. Propõe também a transformação de
ruazinhas adjacentes no trecho da
Candelária e Cinelândia em um calçadão para o povo passear, tomar
lanche, fazer piquenique.
Quiçá arrastar um vestido de bordado trazido de Paris, como se fosse
o comecinho do século 20; cada
dama com uma das mãos segurando
a sombrinha, o outro braço enroscado no de algum fidalgo igualmente
elegante, o qual cumprimenta,
fazendo uma leve reverência com
o chapéu, outros conhecidos que por
ali também passeiam, seguros e despreocupados.
Que belo. Lúdico. Bucólico. E absolutamente fantasioso.
Será que não há uma saída técnica,
algum plano menos extravagante,
para escoar o trânsito intenso dessa
via, ou seja, solucionar o problema
sem destruir a Rio Branco?
E a redução de 70% das frotas de
ônibus que por ali passam todos os
dias -as companhias vão topar um
corte significativo assim, irradiando
felicidade e achando tudo muito
bom negócio?
Mal nos livramos do horrendo
obelisco e da inútil passarela que
alopravam o visual de Ipanema,
monstrengos rechaçados pelo carioca desde que foram erguidos, e
aplaudidos ao serem derrubados, há
poucos dias, e nos vêm com esse
projeto que, na teoria, parece bom.
Bom demais para dar certo em nossa realidade. Meu cassandrismo tem
respaldo, amigos. Nosso histórico de
obras faraônicas não mente.
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