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"Havia uma bomba debaixo da escada de minha casa nova"
Artefato estava havia 40 anos embaixo de uma escada do sobrado onde repórter vai morar na região do Paraíso
"Quando vi, era um torpedão", disse "Piauí", ajudante de pedreiro que a encontrou; rua no Paraíso parou para ver ação da Polícia do Exército
LAURA CAPRIGLIONE
DA REPORTAGEM LOCAL
A moradora rombuda, 40
centímetros de comprimento
por 8,1 centímetros de diâmetro, saiu ontem de seu esconderijo, depois de mais de 40 anos
enfiada debaixo da escada do
sobrado que será a minha casa.
Quando o ajudante de pedreiro Francisco das Chagas
Fontenelle Machado Filho, 24,
extraía os tacos da sala, no oco
do primeiro degrau da escada
de madeira, ontem, pela manhã, fora do seu ângulo de visão, a talhadeira bateu em algo
que parecia ser uma garrafa
grandalhona. "Piauí", apelido
do pedreiro, enfiou a mão no
vão e puxou a coisa. "Quando vi,
era um torpedão", lembra.
Sem se intimidar, o pedreiro
pôs-se a martelar a peça -tentava desmontá-la. Duas horas
depois, levava uma "bronca" de
leve do general Eduardo Wizniewsky, 56, comandante da 2ª
Região Militar e morador ali
mesmo do bairro, que chegou
para as providências: "Trata-se
de um artefato explosivo, uma
granada de morteiro, 81 mm de
calibre, que se explodisse poderia derrubar paredes e espalhar
fragmentos metálicos pontiagudos que no mínimo o deixariam muito ferido."
A rua de pouco mais de 200
metros no bairro do Paraíso
(zona sul de São Paulo) parou.
O morador três casas abaixo foi
acordado pela mulher: "Você aí
dormindo e o quarteirão prestes a explodir", exagerou.
Às 16h, o furgão verde descarregou sete homens da Polícia do Exército, uniformes camuflados, metralhadoras, fuzis
FAL e coletes à prova de balas.
Isolou a rua, apitos para disciplinar o trânsito quase
nenhum. O tenente Fabrício
colocou os pedreiros para fora
da casa e deixou a moradora indesejada lá, sozinha.
Edu Viola, músico que tocou
no musical "Hair", em 1968,
lembrou-se do "Seu Pompeu",
já morto, que morou muitos
anos na casa. "Ele andava sempre com um chapéu desses de
safári, porte militar, durão. Deve ter sido ele que a colocou aí."
Roberto Cocenza, ex-proprietário da casa, rememorou:
havia vizinhos velhinhos que
diziam ter lutado na Revolução
Constitucionalista de 1932,
quando o Estado de São Paulo
levantou-se contra o governo
de Getulio Vargas.
A informação circulou e começou a polêmica. A moradora
com seus 70 anos começou a
discursar contra "paulistas elitistas" que queriam se separar
do Brasil. A chuva começou, ela
abriu o guarda-chuva e continuou, getulista.
Os soldados da PE, já encharcados, esperavam os especialistas em desarmamento de explosivos, que viriam de Osasco.
Foi quando chegou o general
em pessoa, acompanhado de
dois outros oficiais. Wizniewsky explicou que o artefato, pintado de verde, deve ser
munição explosiva ou fumígena -coisa para ser usada em
combates de verdade."
Segundo o general, a granada
de morteiro encontrada era
mesmo uma velha senhora.
"Hoje em dia não se usa mais
esse dispositivo como espoleta." Referia-se ao "rabo" do artefato, provido de aletas, como
em um míssil.
O mecanismo engenhoso
funcionava assim: a granada
era arremessada por um tiro.
Com a velocidade e já em pleno
vôo, a pequena hélice começava
a girar e acionava o gatilho da
granada, como se fosse a corda
de um relógio. "Com isso se garantia que o explosivo não fosse
detonado em terra", falou o oficial, explicando que o mecanismo não era imune a marteladas. Por isso a antiga bomba teve de ser retirada com cuidado.
Providenciou-se um leito de
areia, em uma caixa. Em seguida, cobriu-se a dona com um
cobertor também de areia.
Com passos de gato, os dois soldados carregaram a velha bomba para fora da casa e a enfurnaram no veículo militar. Foi em
cana.
Segundo o general, não será
mais vista naquelas imediações. "Ela será detonada."
Perguntei ao militar se
"achados" como esse são comuns na cidade. Ele me disse
que não. "Uma raridade." Foi
quando o mestre-de-obras comentou que eu tinha "ganho na
loteria". Que coisa. Gastei minha cota de improbabilidades
assim.
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