São Paulo, sábado, 08 de novembro de 2008

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"Havia uma bomba debaixo da escada de minha casa nova"

Artefato estava havia 40 anos embaixo de uma escada do sobrado onde repórter vai morar na região do Paraíso

"Quando vi, era um torpedão", disse "Piauí", ajudante de pedreiro que a encontrou; rua no Paraíso parou para ver ação da Polícia do Exército

LAURA CAPRIGLIONE
DA REPORTAGEM LOCAL

A moradora rombuda, 40 centímetros de comprimento por 8,1 centímetros de diâmetro, saiu ontem de seu esconderijo, depois de mais de 40 anos enfiada debaixo da escada do sobrado que será a minha casa.
Quando o ajudante de pedreiro Francisco das Chagas Fontenelle Machado Filho, 24, extraía os tacos da sala, no oco do primeiro degrau da escada de madeira, ontem, pela manhã, fora do seu ângulo de visão, a talhadeira bateu em algo que parecia ser uma garrafa grandalhona. "Piauí", apelido do pedreiro, enfiou a mão no vão e puxou a coisa. "Quando vi, era um torpedão", lembra.
Sem se intimidar, o pedreiro pôs-se a martelar a peça -tentava desmontá-la. Duas horas depois, levava uma "bronca" de leve do general Eduardo Wizniewsky, 56, comandante da 2ª Região Militar e morador ali mesmo do bairro, que chegou para as providências: "Trata-se de um artefato explosivo, uma granada de morteiro, 81 mm de calibre, que se explodisse poderia derrubar paredes e espalhar fragmentos metálicos pontiagudos que no mínimo o deixariam muito ferido."
A rua de pouco mais de 200 metros no bairro do Paraíso (zona sul de São Paulo) parou. O morador três casas abaixo foi acordado pela mulher: "Você aí dormindo e o quarteirão prestes a explodir", exagerou.
Às 16h, o furgão verde descarregou sete homens da Polícia do Exército, uniformes camuflados, metralhadoras, fuzis FAL e coletes à prova de balas. Isolou a rua, apitos para disciplinar o trânsito quase nenhum. O tenente Fabrício colocou os pedreiros para fora da casa e deixou a moradora indesejada lá, sozinha.
Edu Viola, músico que tocou no musical "Hair", em 1968, lembrou-se do "Seu Pompeu", já morto, que morou muitos anos na casa. "Ele andava sempre com um chapéu desses de safári, porte militar, durão. Deve ter sido ele que a colocou aí."
Roberto Cocenza, ex-proprietário da casa, rememorou: havia vizinhos velhinhos que diziam ter lutado na Revolução Constitucionalista de 1932, quando o Estado de São Paulo levantou-se contra o governo de Getulio Vargas.
A informação circulou e começou a polêmica. A moradora com seus 70 anos começou a discursar contra "paulistas elitistas" que queriam se separar do Brasil. A chuva começou, ela abriu o guarda-chuva e continuou, getulista.
Os soldados da PE, já encharcados, esperavam os especialistas em desarmamento de explosivos, que viriam de Osasco.
Foi quando chegou o general em pessoa, acompanhado de dois outros oficiais. Wizniewsky explicou que o artefato, pintado de verde, deve ser munição explosiva ou fumígena -coisa para ser usada em combates de verdade."
Segundo o general, a granada de morteiro encontrada era mesmo uma velha senhora. "Hoje em dia não se usa mais esse dispositivo como espoleta." Referia-se ao "rabo" do artefato, provido de aletas, como em um míssil.
O mecanismo engenhoso funcionava assim: a granada era arremessada por um tiro. Com a velocidade e já em pleno vôo, a pequena hélice começava a girar e acionava o gatilho da granada, como se fosse a corda de um relógio. "Com isso se garantia que o explosivo não fosse detonado em terra", falou o oficial, explicando que o mecanismo não era imune a marteladas. Por isso a antiga bomba teve de ser retirada com cuidado.
Providenciou-se um leito de areia, em uma caixa. Em seguida, cobriu-se a dona com um cobertor também de areia. Com passos de gato, os dois soldados carregaram a velha bomba para fora da casa e a enfurnaram no veículo militar. Foi em cana.
Segundo o general, não será mais vista naquelas imediações. "Ela será detonada."
Perguntei ao militar se "achados" como esse são comuns na cidade. Ele me disse que não. "Uma raridade." Foi quando o mestre-de-obras comentou que eu tinha "ganho na loteria". Que coisa. Gastei minha cota de improbabilidades assim.


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