|
Texto Anterior | Próximo Texto | Índice
MOACYR SCLIAR
Compromisso com o social
Cidade paga 10 mil euros por filho.
Situada nos Apeninos, a sudeste de
Nápoles, a cidade de Laviano corre o
risco de sumir do mapa em razão da
ausência de empregos, que leva os jovens a partir em busca de nova vida.
No ano passado, nasceram apenas
quatro bebês na cidade, cuja população é de 1.600 pessoas. Numa tentativa de mudar a tendência, o prefeito
Rocco Falivena resolveu oferecer um
abono de 10 mil euros (cerca de R$ 36
mil) para cada bebê nascido na cidade. Folha Mundo, 2.dez.2003
A leitura da notícia no
jornal deu-lhe uma súbita
inspiração. Pela primeira vez enxergava uma luz no fim do túnel.
Pela primeira vez tinha a clara
noção do que precisava fazer.
Recortou cuidadosamente a notícia, vestiu-se e saiu. Tinha um
destino certo: ia até o viaduto
próximo à sua casa. Era um local
que costumava evitar, sobretudo
à noite: aquilo era considerado
um antro de marginais. Agora,
porém, enfrentaria esse risco,
enfrentaria qualquer risco.
Porque tinha uma missão a cumprir e iria cumpri-la, custasse o
que custasse.
Como esperava, o lugar estava
cheio de gente. Homens, mulheres, crianças, muitas crianças.
Todos maltrapilhos. Todos exalando um cheiro insuportável. O
cheiro da miséria. As mulheres,
várias delas grávidas, eram particularmente patéticas.
Criando coragem, ele se
aproximou:
- Amigos, vim aqui falar com
vocês. Tenho uma coisa muito
importante para lhes dizer, portanto peço que prestem atenção.
Olhavam-no, em silêncio.
Ele hesitou, intimidado, mas
prosseguiu:
- Vocês não me conhecem, mas
sou vizinho de vocês. Moro ali,
naquele prédio. Da minha janela
vejo vocês todos os dias. Vejo a
pobreza em que vocês vivem. Há
muito tempo eu queria fazer alguma coisa para ajudar vocês,
mas não sabia exatamente que
coisa era essa. Agora sei. Posso ensinar vocês a ganhar dinheiro.
Um bom dinheiro.
Tirou do bolso o recorte:
- Deu no jornal: tem uma cidade italiana que oferece R$ 36 mil
para cada bebê que nascer lá. É
muito dinheiro. É mais do que vocês todos, juntos, já ganharam na
vida. E esse dinheiro está ao alcance de vocês. Porque mulher
grávida é o que não falta aqui. É
só as mulheres irem para lá, darem à luz e faturar. Vocês vão me
perguntar: como é que a gente faz
para ir para a Itália? Sempre se
pode dar um jeito. Eu conheço o
capitão de um navio que vai seguido para Nápoles. Posso conseguir uma carona para vocês. E
então? O que me dizem?
Não houve resposta.
- Pensem na proposta que eu fiz
a vocês -continuou ele. - E, se
quiserem, me mandem um recado pelo porteiro do meu prédio.
Despediu-se e voltou para
causa. Exausto: o engajamento
social pode ser uma coisa muito
estafante.
Moacyr Scliar escreve às segundas-feiras, nesta coluna, um texto de ficção baseado em matérias publicadas no jornal.
Texto Anterior: Imposto sobre cigarro pode subir Próximo Texto: Consumo: Há mais de um mês, aeroviário tenta cancelar serviço da Ajato Índice
|