São Paulo, sábado, 08 de dezembro de 2007

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Foco

Com menos de 1 metro de largura, fresta de viaduto vira abrigo para catador

Fernando Donasci/Folha Imagem
O catador Sérgio F., que dorme há cerca de um mês em fresta do viaduto Rudge, no centro


WILLIAN VIEIRA
COLABORAÇÃO PARA A FOLHA

Faz um mês que Sérgio F. mora no viaduto Rudge, no centro de São Paulo. Não embaixo dele, como a maioria dos mendigos da região, mas em cima -mais precisamente no meio, em uma fresta na divisória de cimento que separa as duas vias.
Nasceu em Capão Redondo (SP) o homem com cara de rapaz e 31 anos difíceis-dez deles passados na cadeia, outros tantos passados na rua. "Já rodei todo o sistema prisional de São Paulo", diz, por porte ilegal de arma.
Ele conta, entre orgulhoso e envergonhado, que noite dessas foi abordado por uma mulher, que entrou na fresta em busca de sexo. "Mas foi no maior respeito", afirma.
Informado, Sérgio se horrorizou com a morte do mendigo incendiado há uma semana. Mas não aceita mudar para um albergue. "Os albergues são nojentos, e aqui é mais gostoso."
Para quem passou tanto tempo dividindo uma cela com dezenas de presos, o espaço parece suficiente. Ele só tem medo da "mordida dos ratos, que dói demais".

Vizinho
Mas há outra fresta no mesmo viaduto, onde, há oito meses, dorme José Carlos Miranda, 30. "Lá dentro ninguém incomoda", diz o barbudo de olhar arredio, que com suas calças puídas e jaqueta de couro branco passou por ali uma noite e viu na fresta "um lugar tranqüilo", mesmo com os carros passando.
"Volta e meia alguém entra lá para usar droga e vai embora. Às vezes roubam, claro, mas faz parte", diz um Zé resignado, mas que mantém apreço pelo abrigo de menos de um metro de largura -onde guarda roupas, cobertores e velas.
Difícil encontrar Zé por ali, já que ele passa o dia catando latinhas em Santa Cecília. Não que a vida tenha sido sempre assim para esse baiano de Vitória da Conquista, que deixou a aridez do sertão há cinco anos, cansado de trabalhar o dia inteiro na roça de mandioca por R$ 5.
Veio para São Paulo, virou servente da Sabesp, gostava do trabalho e tinha onde morar -mas perdeu os documentos e, junto, o emprego.
Conseguiu uma carroça de catador e começou "no ramo da reciclagem", quando ganhava até R$ 10 por dia. "Minha carroça era minha mulher, eu não largava dela nunca." Mas ela foi roubada e hoje ele vive das latinhas. Ziguezagueando entre os carros, Zé volta para "casa". Bem-humorado, ele só faz uma ressalva -não poder engordar. "Se não já era, não cabe mais."


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