São Paulo, terça-feira, 09 de janeiro de 2007

Texto Anterior | Próximo Texto | Índice

Após morte, moradores têm medo de usar telefone

Até o prefeito de São Lourenço da Serra afirma ter receio de atender ao aparelho

Ele diz que as empresas Eletropaulo e Telefônica já haviam sido alertadas sobre a ausência de manutenção dos postes de fiação aérea


KLEBER TOMAZ
DA REPORTAGEM LOCAL

Quase uma semana após uma descarga elétrica ter matado a aposentada Maria da Rosa de Lima Correia, 61, a população da pequena São Lourenço da Serra continua com medo de atender ao telefone.
O medo é geral. Até o prefeito João Koga (PFL), que administra a cidade de 17 mil habitantes e 2.842 linhas telefônicas, tem receio em pegar o telefone da sua casa ou do gabinete.
"Só atendo se tocar cinco vezes. Se por acaso o som for contínuo, sem interrupção, como se tivesse sido disparado, eu não atendo", afirmou Koga.
Moradores relataram que, no dia da morte da aposentada, os telefones na cidade tocaram ininterruptamente.
Segundo o prefeito, sua mãe de 73 anos também teme atender as chamadas telefônicas. "Ela assistiu a TV e soube que a senhora morreu. Está aflita. Me falou pessoalmente que não atende mais telefone."
Para tranqüilizá-la um pouco, Koga a orientou a só segurar o aparelho se estiver usando um calçado com solado de borracha ou pisar sobre um carpete. De acordo com o prefeito, a aposentada que morreu estaria descalça. A família dela nega.
As únicas pessoas que não têm do que se queixar com o "medo coletivo" são os comerciantes que vendem sandálias emborrachadas. "Só hoje foram vinte pares", afirmou Júlio Fogosi, 37, dono de um mercado.
Dentro das casas, as crianças menores de dez anos de idade já foram proibidas pelos pais ou responsáveis de atender.
"Já falei para o meu sobrinho pequeno deixar o telefone tocar sem parar. Só os adultos podem pegar no telefone", disse Marisa Madalena de Moraes, 42, funcionária do posto Ipiranga, nas margens do km 311,5 da rodovia Régis Bittencourt, onde o cabo de energia se rompeu.
A doméstica Irene Cintra, 23, afirmou que o medo pode levá-la até a cancelar a assinatura da Telefônica. "Porque pagaria algo que mata gente?"
Além dos telefones residências, a população também tem medo de usar e até mesmo passar perto de orelhões. O comerciante Roberto Mendes, 42, é dono de um bar que fica há menos de um metro do orelhão da Telefônica que, segundo ele, pegou fogo na última quarta.
"Era tanta chama e faísca que saía do telefone que ao invés de verde [cor oficial das cabines da empresa], o orelhão ficou vermelho", relatou Mendes, que é um dos vizinhos onde morava a aposentada eletrocutada.
Segundo ele, o orelhão já foi consertado, mas o medo persiste. "Ninguém mais quer nem encostar nele, quanto mais atender alguma ligação."
Ontem, enquanto esteve no bairro do Paiol do Meio, a Folha verificou que carros da Telefônica e da Eletropaulo batiam fotos dos postes de energia e fiação telefônica.
Segundo o prefeito de São Lourenço da Serra, as duas empresas já haviam sido notificadas anteriormente sobre a ausência de manutenção dos postes de fiação aérea bem como a necessidade de se cortar e podar algumas árvores em volta.
Ontem, começaram os depoimentos na delegacia dos parentes das vítimas e de pessoas que levaram choque dos aparelhos telefônicos.


Texto Anterior: Idosa é eletrocutada ao atender telefone
Próximo Texto: Para especialistas, tipo de choque é incomum
Índice



Copyright Empresa Folha da Manhã S/A. Todos os direitos reservados. É proibida a reprodução do conteúdo desta página em qualquer meio de comunicação, eletrônico ou impresso, sem autorização escrita da Folhapress.