São Paulo, sexta-feira, 09 de março de 2007

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Com trânsito bem ligeiro e boas-vindas forçadas, Bush pôde se sentir no Texas

RAUL JUSTE LORES
DA REPORTAGEM LOCAL

O presidente norte-americano George W. Bush conseguiu ir de Cumbica até o hotel Hilton, no Morumbi, em cerca de quarenta minutos, um piscar de olhos para os quarenta quilômetros de distância e o trânsito paulistanos.
Sob hospitalidade forçada, com milhões trancafiados em casa, avenidas bloqueadas para paulistanos e vôos atrasados, São Paulo até que foi generosa e receptiva com o presidente mais impopular dos EUA nas últimas duas (três?) décadas.
Se teve curiosidade para admirar a cidade da limusine, Bush sequer viu pichações. Apenas uma faixa de "Fora, Bush" sobreviveu.
As poucas faixas anti-Bush na 23 de Maio foram retiradas com uma eficiência até então desconhecida da prefeitura, em tempos de Cidade Limpa.
Até o desorientado movimento anti-Bush se comportou. Marcou manifestação antes da chegada do presidente, na avenida Paulista, por onde ele nem vai passar.
E colocou cartazes e pichações de "Fora, Bush" em avenidas como Rebouças e Paulista para não incomodá-lo. Sempre em português, garantia que até sua comitiva não será ofendida.
As poucas autoridades que deram alguma informação à população ainda disseram que estavam "proibidas as manifestações" nos arredores do hotel. Em Buenos Aires, Seattle ou Gênova seria impossível.

Como no Texas
Apesar de continuar feia, São Paulo soube fazer o americano se sentir em casa. Pelo percurso que fez, viu vias expressas, viadutos, néons e motéis à beira da estrada, como no Texas.
No bairro em que se hospedou, na região da avenida Berrini, talvez tenha visto arranha-céus que imitam a pior arquitetura pós-moderna americana, calçadas vazias e nenhuma praça. Nada de pedestre.
Pelo que viu, São Paulo poderia passar por uma versão mais pobre de qualquer grande cidade do interiorzão dos EUA, como Houston ou Dallas.
À noite, até as favelas que cercam as marginais e as estradas que saem do aeroporto se reduzem a luzinhas.
E a temperatura ajudou. Os mesmos relógios de rua que marcavam 34ºC ao meio-dia, registravam apenas 26ºC às 21h05, quando Bush deixava a limusine no hotel.
Bush só pode ter ficado um pouquinho preocupado, ciente que é dos negócios, se reparou na sucessão de outdoors iluminados na saída de Cumbica.
Dos primeiros 20 outdoors, apenas um, da Coca-Cola, representava o capital americano no país. A maioria é de empresas asiáticas, como LG, Samsung, Honda, Hyundai e até a chinesa Lenovo. Talvez Bush sugira a seus amigos aumentarem a presença no país.

Engalanada para Bush
A prefeitura colaborou com o comitê de sinta-se em casa: retirou alguns barracos de última hora (sem oferecer alternativa aos moradores, claro).
Na noite de quarta-feira, 24 horas antes da chegada do chefe, a reportagem da Folha viu funcionários pintando de branco as guias das sarjetas das ruas que cercam o hotel Hilton e os vizinhos centros empresariais, uma acanhada e inútil Operação Belezura.
Bush contou ao embaixador brasileiro Antônio Patriota que queria conhecer São Paulo. Mas a versão que viu em seu primeiro dia, sem trânsito, sem caos e na região da Berrini, está longe de ser São Paulo, goste-se ou não dela.
Como ir ao Rio de Janeiro e só ficar na Barra da Tijuca, ou ir a Nova York e ignorar Manhattan. Mas Bush não é precisamente um nova-iorquino, nem era chegado ao turismo internacional antes da Presidência.
Talvez goste das semelhanças com a terra natal. E São Paulo, ontem, não foi São Paulo. A Paulicéia teve seu dia de "Bem-Vindo Mr. Marshall", comédia espanhola de 1953.
Nela, um vilarejo austero em Castela se prepara para receber uma delegação do governo americano. Sonhando receber os milhões de dólares que os yankees derramavam para a reconstrução da Europa.
A cidadezinha, consciente de sua sem-gracice, decide passar pelo que não é: da cinzenta Castela se transveste em um povoado andaluz, com colorido, babados, castanholas, rebolado flamenco e muitos "olés".
O ridículo alimentou o potencial da comédia, dirigida por Luis García Berlanga, adorada por Luis Buñuel.
Bush até que não foi recebido por clones de Carmen Miranda no aeroporto, nem atabaques e capoeira no hotel. Mas São Paulo, essa sim, teve seu dia de vilarejo querendo agradar.


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