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Com trânsito bem ligeiro e boas-vindas forçadas, Bush pôde se sentir no Texas
RAUL JUSTE LORES
DA REPORTAGEM LOCAL
O presidente norte-americano George W. Bush conseguiu
ir de Cumbica até o hotel Hilton, no Morumbi, em cerca de
quarenta minutos, um piscar
de olhos para os quarenta quilômetros de distância e o trânsito paulistanos.
Sob hospitalidade forçada,
com milhões trancafiados em
casa, avenidas bloqueadas para
paulistanos e vôos atrasados,
São Paulo até que foi generosa e
receptiva com o presidente
mais impopular dos EUA nas
últimas duas (três?) décadas.
Se teve curiosidade para admirar a cidade da limusine,
Bush sequer viu pichações.
Apenas uma faixa de "Fora,
Bush" sobreviveu.
As poucas faixas anti-Bush
na 23 de Maio foram retiradas
com uma eficiência até então
desconhecida da prefeitura, em
tempos de Cidade Limpa.
Até o desorientado movimento anti-Bush se comportou. Marcou manifestação antes da chegada do presidente,
na avenida Paulista, por onde
ele nem vai passar.
E colocou cartazes e pichações de "Fora, Bush" em avenidas como Rebouças e Paulista
para não incomodá-lo. Sempre
em português, garantia que até
sua comitiva não será ofendida.
As poucas autoridades que
deram alguma informação à
população ainda disseram que
estavam "proibidas as manifestações" nos arredores do hotel.
Em Buenos Aires, Seattle ou
Gênova seria impossível.
Como no Texas
Apesar de continuar feia, São
Paulo soube fazer o americano
se sentir em casa. Pelo percurso
que fez, viu vias expressas, viadutos, néons e motéis à beira da
estrada, como no Texas.
No bairro em que se hospedou, na região da avenida Berrini, talvez tenha visto arranha-céus que imitam a pior arquitetura pós-moderna americana,
calçadas vazias e nenhuma praça. Nada de pedestre.
Pelo que viu, São Paulo poderia passar por uma versão mais
pobre de qualquer grande cidade do interiorzão dos EUA, como Houston ou Dallas.
À noite, até as favelas que
cercam as marginais e as estradas que saem do aeroporto se
reduzem a luzinhas.
E a temperatura ajudou. Os
mesmos relógios de rua que
marcavam 34ºC ao meio-dia,
registravam apenas 26ºC às
21h05, quando Bush deixava a
limusine no hotel.
Bush só pode ter ficado um
pouquinho preocupado, ciente
que é dos negócios, se reparou
na sucessão de outdoors iluminados na saída de Cumbica.
Dos primeiros 20 outdoors,
apenas um, da Coca-Cola, representava o capital americano
no país. A maioria é de empresas asiáticas, como LG, Samsung, Honda, Hyundai e até a
chinesa Lenovo. Talvez Bush
sugira a seus amigos aumentarem a presença no país.
Engalanada para Bush
A prefeitura colaborou com o
comitê de sinta-se em casa: retirou alguns barracos de última
hora (sem oferecer alternativa
aos moradores, claro).
Na noite de quarta-feira, 24
horas antes da chegada do chefe, a reportagem da Folha viu
funcionários pintando de branco as guias das sarjetas das ruas
que cercam o hotel Hilton e os
vizinhos centros empresariais,
uma acanhada e inútil Operação Belezura.
Bush contou ao embaixador
brasileiro Antônio Patriota que
queria conhecer São Paulo.
Mas a versão que viu em seu
primeiro dia, sem trânsito, sem
caos e na região da Berrini, está
longe de ser São Paulo, goste-se
ou não dela.
Como ir ao Rio de Janeiro e
só ficar na Barra da Tijuca, ou ir
a Nova York e ignorar Manhattan. Mas Bush não é precisamente um nova-iorquino, nem
era chegado ao turismo internacional antes da Presidência.
Talvez goste das semelhanças com a terra natal. E São
Paulo, ontem, não foi São Paulo. A Paulicéia teve seu dia de
"Bem-Vindo Mr. Marshall", comédia espanhola de 1953.
Nela, um vilarejo austero em
Castela se prepara para receber
uma delegação do governo
americano. Sonhando receber
os milhões de dólares que os
yankees derramavam para a reconstrução da Europa.
A cidadezinha, consciente de
sua sem-gracice, decide passar
pelo que não é: da cinzenta
Castela se transveste em um
povoado andaluz, com colorido, babados, castanholas, rebolado flamenco e muitos "olés".
O ridículo alimentou o potencial da comédia, dirigida por
Luis García Berlanga, adorada
por Luis Buñuel.
Bush até que não foi recebido
por clones de Carmen Miranda
no aeroporto, nem atabaques e
capoeira no hotel. Mas São
Paulo, essa sim, teve seu dia de
vilarejo querendo agradar.
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