São Paulo, terça-feira, 09 de março de 2010

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CECILIA GIANNETTI

Reino das águas turvas


Junte-se o mau hábito de jogar lixo nas ruas às falhas na coleta, e o resultado são ralos e galerias entupidos


TUDO o quanto não choveu durante o Carnaval-50C carioca deste ano parece ter desaguado de uma vez só no último sábado, dia 6, em apenas cinco horas, quando caiu sobre o Rio de Janeiro o equivalente ao índice pluviométrico total do mês de março de 2009.
O prefeito deste Alagamento (ex-Rio), Eduardo Paes, correu a lembrar-nos de que a chuvarada do fim de semana foi atípica -tendo batido recordes de índices de hietometria em muitas áreas. Paes é aquele mesmo que provocou a ira dos cariocas em dezembro passado, ao chamar de "porcos" os que jogam lixo nas praias, na orla, nas ruas. À época da reprimenda, o prefeito pediu à população "mais educação, higiene e respeito com o espaço público".
Fato: significativa parcela dos moradores da cidade ignora regras básicas de consciência ambiental. Outro: os recipientes instalados nos postes são pequenos e em número insuficiente para receber tanto lixo. Junte-se o mau hábito às falhas que persistem no sistema de coleta, e o resultado são ralos e galerias pluviais entupidos -no mínimo. Um filhote típico desse casamento desastroso entre o a) desleixo acusado na população + b) as falhas na coleta, é a praga dos panfletos de diferentes tamanhos e cores, distribuídos às centenas, diariamente, freneticamente.
A trajetória desses papeizinhos diz tudo: passam das mãos de quem os distribui irregularmente (não há fiscalização) às dos transeuntes; dessas, na maioria das vezes, vão direto para o chão. Como não deixam mentir as ruas imundas do centro, Catete e Saens Peña, para citar apenas três regiões movimentadas em que a panfletagem é muito comum.
O secretário de Conservação e Serviços Públicos, Carlos Roberto Osório, inaugurou há uma semana o programa Águas de Março, com o objetivo de melhorar as condições de drenagem no Rio de Janeiro.
O esforço, porém, será inútil se o cidadão não aprender a seguir rotinas simples, como guardar o lixo que precisa descartar até que encontre lugar apropriado. O caráter do programa é preventivo, uma vez que março é notório por suas chuvas excessivas; mas o comportamento da população terá papel fundamental em seu êxito.

 

Ilhada no principado folhetinesco do Leblon, separada pelas águas do meu bairrozinho, que ali entre o centro e o Flamengo, eu fumava um cigarro (afinal, estava presa) com um amigo à entrada de um predinho da Dias Ferreira. Ondas quase batiam em nossos pés, trazendo cadáveres de baratas afogadas, latas e garrafas pet; a água tornava impossível diferenciar o que era calçada e o que era território de carros. Carros, ali, não passavam.
Não voltei pra casa senão já de madrugada, quando me foi possível largar mais uma vez o fumo e descartar da imaginação exageros envolvendo maremotos.
Não há música de Tom Jobim nem versos que sirvam para amenizar a tragédia de seis mortes em deslizamentos de terra e desabamentos ocorridos no Rio Comprido, em Anchieta e Niterói, além de dezenas de feridos e mais de 3.000 desalojados. Não cabe nisso poesia. Mas, de fato, o que se viu em abundância tanto na zona norte quanto na zona sul foi mesmo pau, pedra, resto, toco, caco, vidro -o que de feio poderia haver nos versos de Tom.

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