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Morrer na miséria em Maria Farinha, na lama
MARILENE FELINTO
da Equipe de Articulistas
E essa condição de caranguejo, esse andar-para-trás, esse
medo de fracassar (de morrer
na miséria), de depender do
patrão instável, do salário instável, ou essa solidão de taxista
que perdeu o carro na cheia do
vale do Anhangabaú, em São
Paulo, outro dia? Esse desamparo, essa sensação de que só
não se interessam por você, de
que só fazem e desfazem de sua
pessoa na hora que bem entendem porque você não impôs
respeito, não exigiu, se contentou com migalhas (na sua vida
pessoal ou profissional, tanto
faz, por um defeito de personalidade). Você, a quem não davam senão farelos, nem isso você terá mais.
Mas a solidão de mulher gorda num pub irlandês de Nova
York foi a pior solidão que já
vi: estava lá, sozinha, muito
branca azulada, muito grande,
sentada em um balcão diante
de uma enorme caneca de cerveja. O bar fervilhava de gente
acompanhada, de grupos de
amigos conversando, gargalhando, de casais de namorados se beijando.
E a mulher era o oposto do
bar: silenciosa, meio imóvel,
ela expunha sem dó aquela solidão que esborrava em espuma da caneca gigante, tudo
grande, tudo gordo. Dava um
certo enjôo de estômago: por
que uma mulher daquelas não
ficava simplesmente em casa?
E essa exposição de miséria,
esse taxista desconsolado vendo seu carro branco, seminovo,
seu ganha-pão, emborcado feito uma tartaruga, boiando nas
águas podres de São Paulo? E
essa cidade afundada na lama,
esse povo comendo lama, essa
administração pública cheia
de bandidos de gravata?
Maria Farinha é uma praia
de Pernambuco e o nome de
um caranguejo. Não sei por
que fui me lembrar dessa coleção de misérias, desse amontoado de solidões que associei a
esse nome. Vai ver, é porque
maria farinha é um caranguejo
pequeno e frágil, meio esbranquiçado, que vive na zona da
maré enchente, que se confunde com a cor da areia fina das
praias onde cava buracos nos
quais se oculta -para não ser
esmagado a qualquer instante
pelos pés indiferentes de quem
passa. Vai ver, é porque este
país de vida triste, injusta, em
que se anda sempre para trás, é
a própria exposição da fragilidade, da impotência e da solidão da maioria fraca.
Por ocasião de minha última
coluna, que trazia a opinião de
um jornalista sobre a palidez
da imprensa na investigação
da corrupção brasileira, recebi
ressalvas e protestos. O jornalista Alberto Ramos de Oliveira
me mandou, por e-mail, a seguinte mensagem:
"Gostaria de fazer uma ressalva ao seu artigo, em que você compara o jornalismo investigativo no Brasil e nos Estados
Unidos. Acho sua crítica pertinente, mas há exceções honrosas no trabalho da imprensa
quanto à Câmara Municipal
de São Paulo. Há mais de um
ano, a "Folha da Tarde" fez
uma série de reportagens intitulada Máfia Municipal. A
maior parte das denúncias que
estão novamente na imprensa
foi revelada naquela série. Na
"FT" conheci os colegas Roberto
Cosso e Rogério Panda, que investigaram o esquema de corrupção durante meses".
E-mail: mfelinto@uol.com.br
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