São Paulo, Terça-feira, 09 de Março de 1999
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Morrer na miséria em Maria Farinha, na lama

MARILENE FELINTO
da Equipe de Articulistas

E essa condição de caranguejo, esse andar-para-trás, esse medo de fracassar (de morrer na miséria), de depender do patrão instável, do salário instável, ou essa solidão de taxista que perdeu o carro na cheia do vale do Anhangabaú, em São Paulo, outro dia? Esse desamparo, essa sensação de que só não se interessam por você, de que só fazem e desfazem de sua pessoa na hora que bem entendem porque você não impôs respeito, não exigiu, se contentou com migalhas (na sua vida pessoal ou profissional, tanto faz, por um defeito de personalidade). Você, a quem não davam senão farelos, nem isso você terá mais.
Mas a solidão de mulher gorda num pub irlandês de Nova York foi a pior solidão que já vi: estava lá, sozinha, muito branca azulada, muito grande, sentada em um balcão diante de uma enorme caneca de cerveja. O bar fervilhava de gente acompanhada, de grupos de amigos conversando, gargalhando, de casais de namorados se beijando.
E a mulher era o oposto do bar: silenciosa, meio imóvel, ela expunha sem dó aquela solidão que esborrava em espuma da caneca gigante, tudo grande, tudo gordo. Dava um certo enjôo de estômago: por que uma mulher daquelas não ficava simplesmente em casa?
E essa exposição de miséria, esse taxista desconsolado vendo seu carro branco, seminovo, seu ganha-pão, emborcado feito uma tartaruga, boiando nas águas podres de São Paulo? E essa cidade afundada na lama, esse povo comendo lama, essa administração pública cheia de bandidos de gravata?
Maria Farinha é uma praia de Pernambuco e o nome de um caranguejo. Não sei por que fui me lembrar dessa coleção de misérias, desse amontoado de solidões que associei a esse nome. Vai ver, é porque maria farinha é um caranguejo pequeno e frágil, meio esbranquiçado, que vive na zona da maré enchente, que se confunde com a cor da areia fina das praias onde cava buracos nos quais se oculta -para não ser esmagado a qualquer instante pelos pés indiferentes de quem passa. Vai ver, é porque este país de vida triste, injusta, em que se anda sempre para trás, é a própria exposição da fragilidade, da impotência e da solidão da maioria fraca.

Por ocasião de minha última coluna, que trazia a opinião de um jornalista sobre a palidez da imprensa na investigação da corrupção brasileira, recebi ressalvas e protestos. O jornalista Alberto Ramos de Oliveira me mandou, por e-mail, a seguinte mensagem:
"Gostaria de fazer uma ressalva ao seu artigo, em que você compara o jornalismo investigativo no Brasil e nos Estados Unidos. Acho sua crítica pertinente, mas há exceções honrosas no trabalho da imprensa quanto à Câmara Municipal de São Paulo. Há mais de um ano, a "Folha da Tarde" fez uma série de reportagens intitulada Máfia Municipal. A maior parte das denúncias que estão novamente na imprensa foi revelada naquela série. Na "FT" conheci os colegas Roberto Cosso e Rogério Panda, que investigaram o esquema de corrupção durante meses".

E-mail: mfelinto@uol.com.br


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