São Paulo, Terça-feira, 09 de Março de 1999
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"Na cadeia, sou Monica Lewinsky", diz Tânia

Jayme de Carvalho Júnior - 2.mar.99/Folha Imagem
Tânia de Paula, namorada de Viscome, ao ser levada a carro da polícia


SÍLVIA CORRÊA
da Reportagem Local

Ela é loira, alta e sorridente. Tem gestos delicados, voz mansa e fala bem articulada. Sentada em uma das salas do Dird (Departamento de Investigação e Registros Diversos), Tânia de Paula, 39, passaria sem dificuldade por uma funcionária da casa ou por uma testemunha apenas de passagem.
O anonimato, no entanto, não dura muito tempo. "Na cadeia, me chamam de Monica Lewinsky", responde sorrindo aos desavisados que perguntam quem ela é e por quem está esperando.
"Elas (companheiras de cela) dizem que no Primeiro Mundo eles pegam a amante do presidente. Aqui, basta a mulher do vereador", completa a assessora e namorada do vereador Vicente Viscome.
Tânia foi presa na terça passada sob acusação de concussão (exigir vantagem para deixar de cumprir função pública) e formação de quadrilha.
Braço-direito do pepebista Viscome, ela foi sua representante na Regional da Penha durante pelo menos seis meses e é apontada pela polícia como o maior elo entre o vereador e a máfia da propina.
Com o gravador ligado, a assessora-namorada se nega a dizer o que contou à polícia. Sabe-se, porém, que falou bastante. Admitiu, por exemplo, que os homens de confiança dos parlamentares faturam cerca de R$ 15 mil mensais com o esquema nas regionais.
"O poder corrompe", limita-se a dizer Tânia, ao ser questionada sobre a rede de corrupção. "Entrar nessa é embarcar para uma viagem solitária e individualista. Quando você percebe, já não tem amigos."
Formada em sociologia e dona de uma confecção infanto-juvenil, ela jurou se afastar da política quando o pai vereador morreu de câncer, em 92. Três anos depois, porém, a paixão pelo Carnaval a levou de volta à Câmara: Tânia foi pedir ajuda para comprar plumas para o desfile da Vai-Vai, conheceu Viscome e retornou aos bastidores do Legislativo.
Dos quase 20 anos que viveu entre políticos e politicagens, ela tenta extrair uma explicação para a corrupção que, suspeita-se, chega aos altos escalões municipais.
"Vivemos em uma época de mudança de valores. Umas pessoas estão ficando mais críticas e atentas, e outras, mais gananciosas. Quanto mais esses dois grupos se distanciam, mais eles se chocam. Aí explode a guerra. É nesse ponto que estamos hoje", filosofa.

Revolução na cela
A assessora levou para a cela que ocupa -um cercado de 6 m2que divide com 12 mulheres- hábitos de uma moça de classe média-alta que mora com a mãe e os três filhos em uma boa casa da Vila Dalila (zona leste de SP), tem uma Blazer seminova e salário mensal -oficial- de R$ 7.000.
Foi uma revolução. "Fiz uma faxina geral, pedi que não fosse algemada, me recusei a usar o banheiro da cela, mandei buscar meu secador de cabelos, comprei perfume para todo mundo e abasteci a geladeira de frios e refrigerantes", responde, ao ser indagada sobre seus afazeres da última semana.
Sobre o relacionamento com Viscome, diz apenas que "foi uma coisa de pele" e garante que não conhece o homem violento que lhe foi descrito pela polícia.
Vicente, nas palavras de Tânia, é caseiro e protetor. "Sou mais forte, mais prática que ele. Quero resolver tudo na hora. Ele é mais pensativo e tenta me fazer ponderar antes de tomar decisões."
Os dois já se falaram três vezes desde que a assessora-namorada foi presa. Em todas, segundo Tânia, o vereador chorou ao telefone e não perguntou sequer o que ela havia dito à polícia nas quase 24 horas de depoimento.
"Ele só quer saber como estou, está muito preocupado comigo", conta. "Essa reação só me faz amá-lo ainda mais."
Tânia tem falado à polícia sem a presença de seu advogado. E diz ter clareza do que está fazendo. "Nunca tive advogado", declara. "Todo mundo tem o contato de um dentista ou de um médico anotado na agenda, mas não de um advogado. Na verdade, se soubesse o que iria acontecer, não teria nem isso na agenda", brinca. A agenda de Tânia, recheada de anotações, tem dado pistas à polícia de como era repartida a propina na Penha.


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