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depoimento
Ao vê-lo, uma comporta de emoções se abriu
ALEXANDRE CAMPBELL
ESPECIAL PARA A FOLHA
Passei metade da minha vida sabendo que era pai de um
menino na França e, por causa da rejeição da mãe dele,
congelei o sentimento por 20
anos.
Eu tinha 23 anos, quando
fui morar em Paris depois de
terminar o curso de jornalismo. A mãe escondeu a gravidez de seu círculo de amizade
e familiar, apesar de ter quase
certeza de que eu era o pai.
Voltei para o Brasil quando
Manuel tinha oito meses.
Apenas um ano depois do
meu regresso, a mãe, então
casada, me contou a verdade.
Quando tive a oportunidade
de voltar a Paris três anos depois de saber oficialmente, fui
rejeitado pela família, que estava formada.
Em vez lutar por ele, abandonei a ideia. Acumulei certa
raiva dela, claro, e até da maneira de ser dos franceses.
Um ano atrás tive coragem
de procurá-lo, sem saber como estava a família, muito
menos se ele sabia da minha
existência, sem ter ideia de
seu caráter, sua educação,
seus desejos, sua opinião sobre tudo isso.
Por meio da internet localizei Manu. Hoje tem a mesma
idade que eu tinha quando ele
nasceu. Soube que sua mãe
havia se separado do marido e
poucos anos após a separação, quando ele tinha 12 anos,
contou que seu pai biológico
era um brasileiro "gente boa".
Mesmo assim nunca me procuraram. Ele não tem até hoje
o nome paterno no registro, e
eu nunca tive outro filho.
Fui visitá-lo em Paris no
ano passado. Desde a primeira vez que o vi, uma comporta
de emoção se abriu de forma
incontrolável. A sensação do
tempo perdido me atormenta, mas o presente que ganhei
e o que espero do futuro junto
dele é maior que tudo.
Ele parece comigo, tem até
alguns cacoetes que herdei do
meu falecido pai. Também
tem tudo o que eu esperava de
um filho: doçura, sensibilidade, determinação, prudência.
Depois de conhecê-lo, todo o
meu rancor em relação à sua
mãe desapareceu, já conversamos os três, sinto que tenho
uma cicatriz enorme dentro
de mim, mas sua aproximação tem sido uma alegria para
mim e para a minha família.
Neste momento, ele e a namorada estão no Brasil. Passaremos juntos o Dia dos Pais
brasileiro pela primeira vez.
Deixando os presentes de
shopping de lado, o meu é este amor e esta aproximação.
Tanto tempo longe, tanto medo na cabeça. Após o reencontro, percebi que as coisas podem se tornar simples. Basta
dar chance à boa vontade e à
boa conversa, espantar o orgulho e arriscar.
ALEXANDRE DE PAULA CAMPBELL PENNA, 41, carioca, é fotógrafo
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