São Paulo, domingo, 09 de agosto de 2009

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depoimento

Ao vê-lo, uma comporta de emoções se abriu

ALEXANDRE CAMPBELL
ESPECIAL PARA A FOLHA

Passei metade da minha vida sabendo que era pai de um menino na França e, por causa da rejeição da mãe dele, congelei o sentimento por 20 anos. Eu tinha 23 anos, quando fui morar em Paris depois de terminar o curso de jornalismo. A mãe escondeu a gravidez de seu círculo de amizade e familiar, apesar de ter quase certeza de que eu era o pai.
Voltei para o Brasil quando Manuel tinha oito meses. Apenas um ano depois do meu regresso, a mãe, então casada, me contou a verdade. Quando tive a oportunidade de voltar a Paris três anos depois de saber oficialmente, fui rejeitado pela família, que estava formada.
Em vez lutar por ele, abandonei a ideia. Acumulei certa raiva dela, claro, e até da maneira de ser dos franceses. Um ano atrás tive coragem de procurá-lo, sem saber como estava a família, muito menos se ele sabia da minha existência, sem ter ideia de seu caráter, sua educação, seus desejos, sua opinião sobre tudo isso.
Por meio da internet localizei Manu. Hoje tem a mesma idade que eu tinha quando ele nasceu. Soube que sua mãe havia se separado do marido e poucos anos após a separação, quando ele tinha 12 anos, contou que seu pai biológico era um brasileiro "gente boa". Mesmo assim nunca me procuraram. Ele não tem até hoje o nome paterno no registro, e eu nunca tive outro filho.
Fui visitá-lo em Paris no ano passado. Desde a primeira vez que o vi, uma comporta de emoção se abriu de forma incontrolável. A sensação do tempo perdido me atormenta, mas o presente que ganhei e o que espero do futuro junto dele é maior que tudo. Ele parece comigo, tem até alguns cacoetes que herdei do meu falecido pai. Também tem tudo o que eu esperava de um filho: doçura, sensibilidade, determinação, prudência.
Depois de conhecê-lo, todo o meu rancor em relação à sua mãe desapareceu, já conversamos os três, sinto que tenho uma cicatriz enorme dentro de mim, mas sua aproximação tem sido uma alegria para mim e para a minha família. Neste momento, ele e a namorada estão no Brasil. Passaremos juntos o Dia dos Pais brasileiro pela primeira vez.
Deixando os presentes de shopping de lado, o meu é este amor e esta aproximação. Tanto tempo longe, tanto medo na cabeça. Após o reencontro, percebi que as coisas podem se tornar simples. Basta dar chance à boa vontade e à boa conversa, espantar o orgulho e arriscar.

ALEXANDRE DE PAULA CAMPBELL PENNA, 41, carioca, é fotógrafo



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