São Paulo, domingo, 09 de agosto de 2009

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Para viciado em droga, descobrir o traficante de crack é impossível

DA REPORTAGEM LOCAL

Nove da manhã é a hora do "blocão" (pedra grande), explica César, 36, "nóia" assumido. Apesar do desatino geral na calçada da rua Helvétia, em Campos Elíseos (região central), onde mais de cem usuários de crack estão sentados, César parece tranquilo. "Acabei de dar uma paulada, mas você não diz. Dificilmente me altero."
Ele conta que o blocão logo é dividido em muitos pedaços e repassado.
"Às vezes eu mesmo chego com a pedra grande, que eu consegui por R$ 10; divido em 18 "biricos", vendo cada um por R$ 2 e já tenho o dinheiro de mais três pedras", calcula.
Como se a cadeia até o traficante fosse um labirinto interminável, e indecifrável, ele diz que no crack é impossível descobrir o traficante. "Ninguém sabe quem é, exatamente, o cara. As coisas vão chegando."

Cerveja no bar
Viciado há dois anos, César diz que experimentou o crack com um primo e que não sentiu a sensação forte que muitos dizem levar ao vício imediato. "A gente voltou a fumar na mesma semana, mas como quem toma uma cerveja no bar", lembra ele, que tem um filho de 12 anos, a quem não vê há um ano. Desempregado, ele diz que é "motorista autônomo".
Apesar da balbúrdia na calçada da Helvétia, César diz que as biqueiras (pontos de "nóias") seguem uma disciplina estipulada à distância pela facção criminosa PCC (Primeiro Comando da Capital). Segundo ele, agressões físicas e roubo (entre eles) não são tolerados. "Os caras vão ter de conversar com um grandão."
A etiqueta do "nóia" manda que, à passagem de mulheres com crianças no colo, diga-se: "Olha o ar do anjo", para que todos recolham seus cachimbos. Cesar passou quatro meses num Centro de Detenção Provisória, por "pequenos delitos". "Sou contra roubar na rua. Pego só de quem tem muito", diz.
Para participar da chamada "ciranda dos nóia", ou o trânsito do "vapor" (o que repassa), não é preciso estar em alguma biqueira. A reportagem perguntou a um rapaz que caminhava na rua Vieira de Carvalho, bem longe do centro da cracolândia, se ele tinha visto usuários por ali. Foi o suficiente para que o jovem se pendurasse na janela do carro e oferecesse uma pedra. "Fala aí, mano, vai querer quanto?" (PS)


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