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Para afastar quilombolas, Marinha cita risco nuclear
Ilha da Marambaia (RJ) é disputada por militares e por descendentes de escravos
Suposta ameaça de ataques de submarinos a usinas de
Angra 1 e 2 é usada como argumento; procurador
contesta a justificativa
SERGIO TORRES
ENVIADO ESPECIAL A MANGARATIBA (RJ)
A Marinha apresentou à Casa
Civil da Presidência da República e ao Incra (Instituto Nacional de Colonização e Reforma Agrária) a possibilidade de
ataques de submarinos a usinas
nucleares de Angra 1 e 2 como
argumento para não aceitar a
permanência na Ilha da Marambaia (RJ) de 200 famílias
remanescentes de um quilombo que existiu ali, no século 19.
Nas discussões reservadas
sobre a presença dos descendentes de escravos, a Marinha
listou instalações que podem
vir a ser atacadas por submarinos. Integram a relação, entre
outras, as usinas nucleares de
Angra dos Reis, o porto de Sepetiba, a Casa da Moeda e o terminal de minérios em Ibicuí.
A Marinha se instalou na região em 1971, quando criou o
Cadim (Centro de Adestramento da Ilha da Marambaia).
As famílias de civis ocupam a
ilha desde a época da escravidão. A Marambaia era um dos
principais entrepostos do tráfico negreiro no litoral brasileiro.
O local fica na extremidade
esquerda da restinga da Marambaia, cuja área engloba trechos dos municípios do Rio e de
Mangaratiba (a 70 km da capital). Não é uma ilha, embora assim seja oficialmente chamada.
Apesar da ocupação militar, o
local é considerado uma espécie de paraíso ecológico. O presidente Luiz Inácio Lula da Silva (PT) e seu antecessor, Fernando Henrique Cardoso
(PSDB), já passaram temporadas de descanso nas praias.
Toda a restinga tem acesso
restrito por causa das instalações militares. Ela é dividida
entre o Exército, a Marinha e a
Aeronáutica. Os descendentes
de escravos ocupam apenas o
trecho controlado pela Marinha. Segundo o Incra, eles têm
direito a 1,63 mil hectares.
No mês passado, o Incra publicou no "Diário Oficial da
União" portaria em que reconhece que a comunidade é remanescente dos quilombolas
que habitaram a região há pelo
menos 150 anos. Assim, os moradores teriam direito ao título
definitivo de posse da terra.
A publicação da portaria surpreendeu a Marinha, que reclamou com a Casa Civil. Por ordem direta da ministra Dilma
Rousseff, o Incra teve que, no
dia seguinte, publicar nova portaria, revogando a primeira.
Nas reuniões realizadas sobre o assunto, a Marinha disse
que pretende, no futuro, instalar na Marambaia equipamentos capazes de detectar a passagem de submarinos no canal de
navegação da baía de Sepetiba.
Segundo a Marinha, submarinos de países inimigos podem
se aproximar, submersos, e atacar instalações importantes da
infra-estrutura do país naquele
trecho da costa.
Ministério Público
A justificativa não é aceita
pelo procurador da República
Daniel Sarmento. Em 2002, o
Ministério Público Federal entrou com uma ação civil pública
na Justiça para que a comunidade não seja retirada pela Marinha. Ele disse que irá novamente ao Judiciário contra a
suspensão da portaria do Incra.
"A Marinha está alegando isso [segurança nacional] agora.
A base existe quase que exclusivamente para a hospedagem de
autoridades e militares. Essa é
uma questão de direitos fundamentais. Não se pode botar interesses militares duvidosos
acima disso", afirmou ele.
Para tornar a vida dos moradores mais difícil, a Marinha jamais permitiu que a comunidade tivesse acesso a luz e telefone e proibiu a reforma de casas
e a pesca nos locais de concentração de cardumes.
A presidente da Associação
de Remanescentes de Quilombo da Ilha da Marambaia, Vânia
Guerra, 47, disse que, das 281
famílias cadastradas pelo Incra, permanecem 200. "Tudo
começou quando eu era criança. A invasão das roças, a destruição de canoas, o recolhimento do que plantávamos, o
deboche dos militares. A situação melhorou um pouquinho
quando passamos a ter a assistência do Ministério Público."
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