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MARIA INÊS DOLCI
Lobos financeiros
Majorar tarifas como bancos o fizeram, somente para lucrar bilhões de reais, não parece ser uma causa justa
NA FÁBULA DO LOBO e do cordeiro há muito da realidade
brasileira. Recordo que o lobo ameaçava o cordeiro com o nítido
interesse de transformá-lo em refeição. Acusou-o de sujar a água que
ele, lobo, bebia, mas o cordeiro observou que, devido à correnteza, isso
seria impossível. Depois, disse ter sido desrespeitado pelo cordeiro,
quando este nem havia nascido. Esgotados os subterfúgios, alegou que
deveria ter sido o pai ou o avô do cordeiro -e o devorou.
A Febraban (Federação Brasileira
dos Bancos) deve ter lido essa fábula. Recentemente, o governo federal,
sempre tão gentil e cordato com as
instituições financeiras, ousou acenar com algum tipo de freio ao festival de cobrança de tarifas bancárias.
Não ameaçou com tabelamento,
não falou em sanções ao banco que
cobrar tarifas estratosféricas. Longe
disso. Somente falou em "discutir" o
assunto, inclusive elogiando a "proposta de auto-regulamentação
da Febraban".
Bastou essa tímida investida governamental, sem qualquer prazo
para se realizar, para que os banqueiros mostrassem as garras e os
dentes. E para que tivessem o desplante, não há outra expressão educada para o que fizeram, de afirmar
que o controle de tarifas poderia
"inibir a expansão do crédito e o
acesso aos serviços bancários".
Claramente uma ameaça, caso o
consumidor "turvasse a água que os
banqueiros bebem". Mas o cordeiro,
ou melhor, o correntista, poderia argumentar que os resultados dos
bancos falam por si, em termos de
segurança das atividades financeiras. Bilhões de lucro são obtidos porque os juros continuam elevadíssimos, combinados a tarifas que são
escorchantes.
Aliás, em alguns casos, são até
ofensivas, como a que se cobra de
quem antecipa o pagamento de uma
dívida. Em muitos casos, essa taxa é
superior ao desconto a que o tomador do empréstimo faz jus.
Se o governo quiser, de verdade, e
não como marketing político-eleitoral, frear os abusos dos bancos, um
bom caminho será a aprovação do
projeto da Taeg (Taxa Anual Efetiva
Global), que desnuda os custos que
são embutidos em um financiamento bancário. E, concomitantemente,
avaliar, com uma lupa, cada tarifa,
cada taxa cobrada por uma instituição financeira, para concluir se ela é
legítima ou não.
Na seção 4 das "Práticas Abusivas" do Código de Defesa do Consumidor, há dois artigos bem interessantes sobre o que discutimos aqui.
Segundo o parágrafo 5º do artigo
39, é vedado ao fornecedor de produtos ou serviços "exigir do consumidor vantagem manifestamente
excessiva". Já no parágrafo 10, é vedado "elevar sem justa causa o preço
de produtos ou serviços".
Ora, majorar tarifas da forma como os bancos o fizeram, somente
para lucrar bilhões de reais em cima
dos correntistas, não parece ser uma
causa justa. É um desequilíbrio nas
relações de consumo. E tem de ser
coibido, sim, pelo peso que o governo tem como árbitro das relações
econômicas e financeiras no Brasil.
Ou será que a única função do governo é prorrogar, para sempre, a
CPMF, enquanto o lobo devora o
carneiro?
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