São Paulo, terça-feira, 09 de outubro de 2007

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MARIA INÊS DOLCI

Lobos financeiros

Majorar tarifas como bancos o fizeram, somente para lucrar bilhões de reais, não parece ser uma causa justa

NA FÁBULA DO LOBO e do cordeiro há muito da realidade brasileira. Recordo que o lobo ameaçava o cordeiro com o nítido interesse de transformá-lo em refeição. Acusou-o de sujar a água que ele, lobo, bebia, mas o cordeiro observou que, devido à correnteza, isso seria impossível. Depois, disse ter sido desrespeitado pelo cordeiro, quando este nem havia nascido. Esgotados os subterfúgios, alegou que deveria ter sido o pai ou o avô do cordeiro -e o devorou.
A Febraban (Federação Brasileira dos Bancos) deve ter lido essa fábula. Recentemente, o governo federal, sempre tão gentil e cordato com as instituições financeiras, ousou acenar com algum tipo de freio ao festival de cobrança de tarifas bancárias.
Não ameaçou com tabelamento, não falou em sanções ao banco que cobrar tarifas estratosféricas. Longe disso. Somente falou em "discutir" o assunto, inclusive elogiando a "proposta de auto-regulamentação da Febraban".
Bastou essa tímida investida governamental, sem qualquer prazo para se realizar, para que os banqueiros mostrassem as garras e os dentes. E para que tivessem o desplante, não há outra expressão educada para o que fizeram, de afirmar que o controle de tarifas poderia "inibir a expansão do crédito e o acesso aos serviços bancários".
Claramente uma ameaça, caso o consumidor "turvasse a água que os banqueiros bebem". Mas o cordeiro, ou melhor, o correntista, poderia argumentar que os resultados dos bancos falam por si, em termos de segurança das atividades financeiras. Bilhões de lucro são obtidos porque os juros continuam elevadíssimos, combinados a tarifas que são escorchantes.
Aliás, em alguns casos, são até ofensivas, como a que se cobra de quem antecipa o pagamento de uma dívida. Em muitos casos, essa taxa é superior ao desconto a que o tomador do empréstimo faz jus.
Se o governo quiser, de verdade, e não como marketing político-eleitoral, frear os abusos dos bancos, um bom caminho será a aprovação do projeto da Taeg (Taxa Anual Efetiva Global), que desnuda os custos que são embutidos em um financiamento bancário. E, concomitantemente, avaliar, com uma lupa, cada tarifa, cada taxa cobrada por uma instituição financeira, para concluir se ela é legítima ou não.
Na seção 4 das "Práticas Abusivas" do Código de Defesa do Consumidor, há dois artigos bem interessantes sobre o que discutimos aqui.
Segundo o parágrafo 5º do artigo 39, é vedado ao fornecedor de produtos ou serviços "exigir do consumidor vantagem manifestamente excessiva". Já no parágrafo 10, é vedado "elevar sem justa causa o preço de produtos ou serviços".
Ora, majorar tarifas da forma como os bancos o fizeram, somente para lucrar bilhões de reais em cima dos correntistas, não parece ser uma causa justa. É um desequilíbrio nas relações de consumo. E tem de ser coibido, sim, pelo peso que o governo tem como árbitro das relações econômicas e financeiras no Brasil.
Ou será que a única função do governo é prorrogar, para sempre, a CPMF, enquanto o lobo devora o carneiro?


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