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COMENTÁRIO
Filhos devem se transformar em seus próprios pais
ROSELY SAYÃO
COLUNISTA DA FOLHA
Mal-estar. Foi isso, no mínimo,
o que muita gente sentiu ao
acompanhar o desenrolar das notícias sobre o assassinato de um
casal na cidade de São Paulo,
principalmente quando foi anunciado que os acusados do crime,
que teriam confessado sua participação, são a filha de 19 anos do
casal, seu namorado e um irmão
dele. Foi dito que os pais da garota
não aprovariam o namoro dela e
que esse teria sido o motivo para o
crime -um crime por amor!?-,
tanto quanto para muitos conflitos entre a garota e seus pais.
Isso transforma um grande número de pais -e de filhos também- em espectadores ativos
dessa história, por isso tanto envolvimento, estranhamento, perplexidade, espanto. Afinal, quantos pais não desaprovam e não lamentam não apenas namorados e
namoradas, mas tantas outras escolhas que os filhos fazem na vida,
como por exemplo a profissão futura, um estilo de roupa e/ou de
comportamento etc.?
Mas, e os filhos? Precisam da
aprovação dos pais para tomar
seu rumo na vida? Não podem
-ou não conseguem?- bancar
suas escolhas, mesmo que elas sejam diferentes das que os pais
queriam? Isso nos faz pensar no
tipo de educação -que nada
mais é do que ensinar a viver-
que os pais têm dado aos filhos.
A finalidade da educação dada
aos filhos é o acesso à autonomia,
ou seja, à independência para viver por conta própria. Mas, de algum modo, o relacionamento que
muitos pais têm com os filhos tem
apontado para o caminho oposto:
para a dependência, para a falta
de liberdade dos filhos para abrir
seu caminho, para gozar sua vida
sem a aprovação, a autorização
ou o consentimento deles.
Um dos sinais desse fato é a conotação que ganhou a palavra
diálogo: entendimento, aceitação,
submissão. Há diálogo entre pais
e filhos quando uma das partes
aceita o ponto de vista do outro, é
o que eles acham. Parece que pais
não querem conflitos com os filhos.
Mas o fato é que o conflito, ou
seja, o desentendimento, pode
ajudar no amadurecimento, no
crescimento, no desenvolvimento, enfim. E os pais precisam suportar e viver esses conflitos com
os filhos, desde quando eles são
pequenos, sem que seja preciso se
submeter às idéias ou demandas
deles.
Essa é uma maneira importante
de o filho perceber que a tutela
dos pais sobre ele é sempre temporária: à medida que se torna capaz de assumir, por conta e risco,
sua vida, as decisões passam a ser
dele, tanto quanto as consequências que elas podem trazer.
Assim, se espera que um filho
chegue à juventude, ao fim da
adolescência, sendo capaz de bancar sua vida, mesmo com a opinião contrária dos pais. E sem a
pressão de que, porque foi uma
escolha própria e diferente da que
os pais queriam, precisa dar certo.
Não precisa, mesmo porque nem
sempre dá. Mas o mesmo pode
ocorrer se a escolha fosse a que os
pais queriam.
O que surpreende no caso em
pauta é justamente o fato de que a
filha, supostamente envolvida no
crime, parece não ter encontrado
uma maneira de bancar sua escolha, de viver à revelia da expectativa dos pais. E o que os filhos precisam para viver é justamente prescindir dos pais: devem eles mesmos se transformar em seus próprios pais.
Temos contribuído, no relacionamento com os filhos, para que
eles tenham acesso a essa conquista? Ou será que estamos é
promovendo um atamento sedutor? Essa é nossa questão.
ROSELY SAYÃO é psicóloga, consultora
em educação e autora de "Sexo é Sexo" (ed. Companhia das Letras);
e-mail: roselys@uol.com.br
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