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São Paulo, domingo, 09 de novembro de 2003

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Projeto recupera tradições indígenas

DO ENVIADO ESPECIAL

A Associação Saúde Sem Limites fica numa casa simples na mesma rua onde se encontra a grande maloca da Foirn, em São Gabriel da Cachoeira. O coordenador local do projeto de "medicina tradicional" é o tucano Maximiliano Corrêa Menezes, 42.
Sua função, e a do projeto, é capacitar recursos humanos que chegam de fora e que vão trabalhar com os índios mata adentro. Outra função é apoiar e valorizar a cultura dos povos indígenas. Nessa empreitada, a associação está trabalhando como Cerci, Centro de Estudo e Revitalização da Cultura Indígena de Iaureté.
A missão é imensa. Recuperar valores, línguas, mitologias, música, crenças, costumes. "Tudo que desapareceu nos cem anos da presença missionária e que estava adormecido", diz Menezes.
São eles que estão ordenando o vasto material -colhido nos quatro "encontros de pajés" ocorridos nos últimos anos- para que seja transformado em referência didática para as escolas indígenas. "Por enquanto, são apenas imensos relatórios", diz.
Na sala ao lado, fone no ouvido, gravador ligado, está o tucano Alfredo Fontes, 53, alfabetizado em português, tucano e baniwa.
Raro conhecedor das línguas e dos costumes da região, ele passa os dias traduzindo longas conversas gravadas com "curadores" de aldeias ao longo do rio Içana, copiando no computador. "Não sou benzedor, eu só transcrevo", diz Alfredo Fontes.

Rituais
A fala que está ouvindo atualmente e traduzindo para o tucano é um longo ritual de "fechamento de corpo". Em muitas etapas, o kumu vai mentalizando cada grupo de animais peçonhentos, como as formigas de fogo, os escorpiões, os marimbondos, as cobras venenosas.
Depois de "macerar" cada grupo, ele vai "retirando o veneno", num ritual demorado que é "capaz" de devolver a energia e a força ao paciente que está sendo "benzido". Até que, ao final, ele será preso num cercado invisível, onde as forças do mal não poderão entrar.
Os sumos e leites da natureza vão lhe garantir a energia física e mental e um grande poder de concentração para enfrentar seus inimigos. Nas suas mais de 50 longas anotações, estão rituais para proteger as meninas que entram na primeira menstruação -"e que ficam mais fracas para as doenças"- e até benzimentos para os bebês recém-nascidos. "Há também benzimentos para mulher achar marido e marido achar mulher", ele conta.

Tradição revivida
Assim que essas histórias "virarem" livros, e eles chegarem até as aldeias de onde foram coletadas, os meninos índios saberão o que seus avós contavam a seus pais.
É um elo que estava quase perdido e que começa a ser recuperado com o projeto.



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