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Sociólogo afirma que Polícia Civil "não entende de crime'
DA REPORTAGEM LOCAL
O sociólogo Claudio Beato,
diretor do Centro de Estudos
de Criminalidade e Segurança
da UFMG (Universidade Federal de Minas Gerais), diz que a
discussão sobre a Polícia Civil
não pode se restringir a salários. É preciso mudar o foco do
trabalho contra o crime, segundo ele. "A polícia civil é muito
pouco profissional e não entende de crime", afirma Beato.
FOLHA - Por que os salários da Polícia Civil no Brasil são tão díspares?
CLAUDIO BEATO - Temos dois
grandes problemas: profissionalismo e controle. De um lado
não há homogeneidade em relação à carreira e aos quesitos
para o exercício da profissão.
Por outro, e isto vale também
para as polícias militares, elas
não estão plenamente submetidas ao controle do poder civil.
São corporações poderosas que
muitas vezes pressionam o poder político, conseguindo salários que são irreais para a realidade de alguns Estados.
FOLHA - Faz sentido o salário médio de um delegado em Alagoas ser
de R$ 11 mil?
BEATO - Não faz o menor sentido Alagoas pagar o equivalente
a três vezes o salário que é pago
em Minas Gerais. É uma distorção que mostra justamente a
ausência de critério e descontrole das polícias.
FOLHA - É justo os policiais ganharem como promotores?
BEATO - Não concordo com isso. Acho que polícia é polícia e
Justiça é Justiça. É claro que a
atividade policial é a primeira
fase da Justiça, mas ela não pode ser comparada à do promotor, pois são de naturezas bastante distintas. O promotor
tem outras funções, entre elas,
a de fiscalizar as polícias. Este
anseio dos delegados em equiparar-se aos promotores ilustra esta crise de identidade com
a atividade policial propriamente dita. Isto não significa
que eles não tenham que ter salários condizentes com a importância da atividade que realizam.
FOLHA - Por que as reformas da polícia feitas no Brasil são sempre superficiais?
BEATO - Reformar a polícia
nunca esteve na agenda política
brasileira. Em parte porque nenhum governo estadual quer
mexer com as polícias e eles
têm uma certa razão: já vimos a
capacidade que têm de desestabilizar um governo. No plano
federal, as polícias brasileiras
lograram definir uma estrutura
bastante enrijecida na nossa
Constituição, o que torna qualquer reformulação bastante difícil.
Poderíamos pensar em uma
reforma de médio prazo que
contemplasse duas frentes:
criar uma política de carreira e
salários e ao mesmo tempo
promovendo uma reforma profunda na forma de se fazer investigações. A Polícia Civil é
muito pouco profissional e não
se dedica efetivamente a compreender o fenômeno da criminalidade. É uma polícia bacharelesca mais preocupada com
preceitos legais do que com solução de problemas. Daí seu caráter eminentemente repressivo. Há de fato um problema salarial, mas que é acompanhado
de ausência de uma perspectiva
mais profissionalizante. Um
exemplo são os turnos sob os
quais muitas polícias brasileiras trabalham, de ficar de plantão um dia e folgar três que, no
final das contas, termina fortalecendo a atividade paralela, o
bico.
FOLHA - O que deveria mudar na
atividade de um delegado?
BEATO - Delegados agem como
juízes inquisitoriais e não como
policiais. Pessoalmente acho
que eles não precisariam sequer ser advogados. O curso de
formação deveria ser voltado
para análise de criminalidade,
tendências do crime, técnicas
de investigação, a natureza da
atividade criminal e a solução
de problemas. Nada disso ocorre devido à presença do inquérito policial que, tenho a impressão, existe apenas no Brasil. Acho que o inquérito deveria acabar pois termina sendo
uma perda de tempo. A primeira coisa que um advogado criminalista minimamente preparado faz é começar desmontando os erros existentes no inquérito, aumentando assim a
impunidade. Isto não ocorreria
se ele fosse conduzido por promotores ou juízes de instrução.
O delegado faz o inquérito e o
juiz termina jogando fora essa
peça porque a denúncia [acusação formal] é feita pelos promotores que podem ou não
querem utilizar-se do inquérito. Além disso, os formalismos
jurídicos requeridos terminaram transformando as delegacias em cartórios. Você vai numa delegacia e o que menos vai
encontrar são policiais correndo atrás de criminosos. Eles ficam lá batendo carimbo e preocupados com prazos e procedimentos legais. Há um formalismo que não tem nada a ver com
o problema criminal.
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