São Paulo, segunda-feira, 10 de janeiro de 2005

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MOACYR SCLIAR

Sonho de menina grávida

 Gravidez precoce tira meninas da escola. Pesquisa da Unesco com 10 mil jovens de 15 a 17 anos no Brasil indica que a gravidez precoce é a principal causa para abandono dos estudos. Cotidiano, 5.jan.2005

O grande sonho de Deolinda era ver a sua filha Rosalva terminar a universidade. Um sonho que para ela, Deolinda, se revelara impossível; estava ainda na escola quando descobriu que estava grávida. Teve de deixar os estudos; logo depois do parto, o namorado sumiu, de modo que tratou de ganhar o sustento para si e para a filha. Era difícil, mas lutava bravamente, consolando-se com a idéia de que a vida seria melhor para Rosalva.
E foi. No começo foi. Porque Rosalva era uma menina séria, dedicada, uma aluna brilhante, segundo a diretora da escola pública em que estudava. Deolinda estava contentíssima e só pensava no presente que daria à filha no dia em que esta se formasse.
Este dia nunca veio. Uma noite, chegando exausta do serviço, surpreendeu-se ao encontrar Rosalva, que estudava à noite, em casa, vendo tevê. Não vou mais à escola, disse sem olhar a mãe. E acrescentou, seca: estou grávida.
Deolinda, alarmada, quis que ela interrompesse a gestação, coisa que Rosalva recusou: ter um filho era questão de honra. A mãe ponderou que nem ela nem o namorado tinham a menor condição de constituir uma família, mas Rosalva disse que o assunto estava encerrado. Meses depois nascia Greicie. Era uma linda menina e deixou a mãe e a avó muito felizes. Mas, como Deolinda, Rosalva descobriu que não seria fácil criar a filha. O namorado também a abandonou e logo ela estava trabalhando como doméstica. Os anos foram passando, mas a vida continuava difícil. Cometi um erro, pensava Rosalva, não deveria ter abandonado os estudos. Seu consolo: Greicie, menina viva, inteligente, realizaria o sonho. Greicie seria médica ou arquiteta ou advogada.
Esta é a idéia que a sustenta. É a idéia que a faz enfrentar o ônibus cheio, o trabalho duro. É a idéia que a faz acreditar no futuro. Só tem um receio: o receio de que um dia, entrando em casa, encontre Greicie, na frente da tevê, dizendo, sem olhá-la, que não irá mais à escola. Está grávida.


Moacyr Scliar escreve nesta coluna, às segundas-feiras, um texto de ficção baseado em notícias publicadas na Folha

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