São Paulo, domingo, 10 de fevereiro de 2008

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Cela em Contagem parece armário embutido

Em buracos de 30 m2, estão 50 homens, que reclamam de doenças contagiosas, como tuberculose e sarna, e da falta de remédio

Presos dormem sentados e se revezam para ficar em pé, encostados nas paredes de onde escorre água; buraco é usado como banheiro

DA AGÊNCIA FOLHA, EM BELO HORIZONTE

Ao se aproximar de uma das três celas da carceragem do 2º Distrito Policial de Contagem, a reportagem sentiu uma contínua lufada de ar quente, com cheiro de suor, urina e fezes. Mesmo por poucos minutos, foi difícil suportar.
Dentro das celas -buracos de 30 m2 e 2,5 metros de altura com barras carcomidas pela ferrugem- espremiam-se 50 homens. Deveriam ser, no máximo, seis, se a Lei de Execuções Penais fosse seguida.
Os presos, a maior parte sob suspeita de tráfico de drogas ou roubo, não conseguiam se deitar por um instante sem encostar em outro detento. Não havia espaço. A situação se mantinha desde a chegada deles ao local -alguns estavam ali há mais de um ano.
Dormiam sentados e se revezavam para ficar em pé, encostados em paredes riscadas por marcas da água que escorre. No teto, fios elétricos se entrelaçavam em grossos novelos.
Quando a reportagem da Folha se identificou, os presos se empurraram em direção às grades e falaram ao mesmo tempo. Pediram ajuda. Falaram sobre detentos com doenças contagiosas, como tuberculose e sarna, e da falta de remédios. Riram quando questionados se havia médicos no local.
Por ser uma carceragem, em tese destinada apenas a detenções provisórias, não há espaço para banho de sol. A vida na penumbra, a marmita muitas vezes estragada, o ambiente úmido e o chão imundo -os esgotos estavam entupidos e o "banheiro" era um buraco no chão isolado por um saco de lixo estendido- abriram caminho para variadas infecções.
"Olha isso", disse uma voz no fundo. Logo depois alguém foi empurrado para a frente. Um homem negro de aparentes 40 anos puxou a calça e mostrou, na coxa, uma ferida de bordas arroxeadas e cheia de pus, do tamanho de uma bolacha de chope. "Nunca tive isso", disse, assustado. "Surgiu do nada."
Em seguida, outros presos também começaram a expor pústulas e doenças de pele. Um homem mostrou o antebraço e o friccionou com a mão. A pele esfarelou-se ao toque.
Um preso se disse asmático e mostrou sua bombinha. De dentro do que mais parece uma sauna, pelo calor, afirmou que "vive desmaiando". Entregou uma carta para a família e pediu para a reportagem colocá-la no correio, o que foi feito no dia seguinte.

Insetos
A fauna local não se limitava às baratas e aos ratos que circulavam pelas celas. Havia também um ninho de lacraias. "Elas entram no ouvido quando a gente está dormindo", disse um homem de gorro e sem camiseta, apontando para uma orelha.
No canto do corredor da carceragem ficava a menor cela, que lembra um grande armário embutido e abriga três homens. Um deles, corpo embalado apenas em um saco preto e rosto repleto de feridas, revirava os olhos antes de iniciar uma fala incoerente sobre uma suposta fórmula química secreta. "Esse aí é louco", disse um dos presos, que não se aproximava das grades. "Se a gente chega perto, ele bate mesmo."
O mais precário dos cômodos no local era um espaço que nem sequer tinha grades, ligado ao corredor por um enorme buraco. Lá dentro, dois homens, que aparentavam ter mais de 50 anos, deitavam-se em jornais no chão, em silêncio. Pronunciavam monossílabos, não queriam conversa. Ali, ao menos, desfrutavam de uma mínima privacidade.
(JOÃO CARLOS MAGALHÃES)


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