São Paulo, terça-feira, 10 de maio de 2005

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MARIA INÊS DOLCI

Empréstimo-bomba

A ciranda financeira que caracteriza a economia brasileira em que os juros sobem mensalmente para um pífio combate à inflação, tolhendo a produção, o emprego e a renda do trabalhador, também se dissemina entre aposentados e pensionistas do INSS. Em lugar de pagar mais por aposentadorias e pensões, o governo criou o crédito com desconto em folha.
O objetivo, segundo o governo, é simplificar o procedimento de tomada de empréstimo, com risco baixíssimo e reduzir os juros praticados pelas instituições financeiras que se conveniarem ao INSS. Hoje já são 21 bancos oferecendo a "facilidade".
Como todos os pseudo-suplementos, o crédito dá a impressão de anabolizar os parcos rendimentos dos que contribuíram a vida inteira para a Previdência Social. Quase 60% dos empréstimos foram contraídos por segurados que ganham até dois salários mínimos.
Aposentados e pensionistas, contudo, quase 2,5 milhões até o final de abril, foram com muita sede ao pote, que não era de ouro, nem estava no final do arco-íris. Era somente mais uma campanha de marketing, que endividou a terceira idade, segurados do INSS, por acreditar na propaganda oficial de juros camaradas, da facilidade de empréstimo etc.
Na verdade, foi como se uma loja, padaria ou indústria convencesse um empregado, que solicitasse um reajuste salarial, a contrair um empréstimo com desconto em folha. É claro, alguém poderia dizer, que nenhum aposentado foi obrigado a contrair os tais empréstimos camaradas. Mas, ganhando tão pouco, muitos recorrem a esse expediente, por exemplo, para comprar os caros medicamentos de que os mais idosos tanto necessitam. Ou para esticar o dinheiro que sempre acaba antes do final do mês ou até mesmo adquirir um bem de consumo.
Agora, o Ministério da Previdência tem que mudar de discurso, assim como as propagandas televisivas. Devem se preocupar com a falta de informações dos aposentados e pensionistas ao pegar dinheiro emprestado sem saber, claramente, de todas as conseqüências. Como a de pagar, durante três anos, um financiamento que talvez não tenha atendido a nenhuma grande necessidade, a menos que seja utilizado para fugir das dívidas de cartões de crédito, do cheque especial e de outros tipos de agiotagem.
Afinal, já são mais de mil queixas registradas na Ouvidoria da Previdência sobre irregularidades como cobrança em duplicidade, venda casada, no caso de bancos que obrigam a manutenção de conta corrente para concessão do empréstimo etc.
Sem pensar sempre o pior, talvez o motivo seja a descoberta, tardia, de que os tais créditos com desconto em folha têm desafiado os intermináveis aumentos de juros determinados pelo Comitê de Política Monetária do Banco Central (Copom). Segundo alguns analistas econômicos, é por isso que a inflação tem resistido às elevadas taxas de juros, sem sinalizar uma queda consistente.
Pode ser, ainda, que a profusão de ações na Justiça contra esse crédito esteja despertando o governo para o problema. Mas é estranho que, após a euforia oficial pela idéia de endividar um dos segmentos mais desprotegidos da população brasileira -os que dependem da Previdência Social para sobreviver-, nossas autoridades só agora pensem em lembrá-los de que não receberam aumento de aposentadoria ou de pensão.


E-mail - midolci@yahoo.com.br

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