São Paulo, domingo, 10 de junho de 2007 |
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GILBERTO DIMENSTEIN O sonho do desemprego negativo
CONTABILIZANDO O TRABALHO
formal e informal, economistas descobriram que o índice
de desemprego de Piracicaba, no interior de São Paulo, é de 6% negativos. Há, portanto, vagas de sobra. O problema local é o inverso da tragédia brasileira: encontrar mão-de-obra, mesmo a mais desqualificada. A principal razão para Piracicaba tornar-se um dos pólos mundiais de inovação de etanol resume-se numa única palavra: educação. A cidade é a sede de uma centenária escola de agronomia, a Esalq (Escola Superior de Agricultura Luiz de Queiroz), e de um núcleo de pesquisa, o CTC (Centro de Tecnologia Canavieira), dois ambientes em que se formaram engenheiros e administradores que iriam fazer descobertas científicas e tocar os empreendimentos. É um fenômeno semelhante ao do ITA (Instituto Tecnológico de Aeronáutica), que fez de São José dos Campos um pólo aeronáutico, e ao do Inatel (Instituto Nacional de Telecomunicações), que fez de Santa Rita de Sapucaí um núcleo de telecomunicação (o arranjo mais famoso, como se sabe, é o do Vale do Silício, na Califórnia). Em 2005, a prefeitura avaliou que, apesar da vantagem competitiva, a cidade estava ameaçada de perder espaço e lançou o Apla (Arranjo Produtivo Local do Álcool). "Para o álcool ficar mais importante, é necessário que se transforme num produto aceito mundialmente", diz o secretário da Indústria e Comércio de Piracicaba, o empresário Luciano Almeida, com pós-graduação em administração em Berkeley, nos Estados Unidos. Montou-se, a partir dessa visão, um arranjo não só para aprimorar a pesquisa, formar mão-de-obra e melhorar a qualidade do produto mas também para conseguir disseminar o etanol pelo mundo. O primeiro passo foi colocar os empresários, muitos dos quais concorrentes entre si, trabalhando juntos. Entraram nessa rede a Apex (Agência de Promoção de Exportações e Investimentos), o IPT (Instituto de Pesquisas Tecnológicas) e a Finep (Financiadora de Estudos e Projetos). O Centro Paula Souza, do governo estadual, ofereceu uma escola técnica voltada para a indústria do álcool e entendimento para abrir um curso de ensino superior focado na biomassa. Em parceria com os sindicatos, o Ministério do Trabalho está ajudando a treinar cortadores de cana para tentar evitar acidentes. Note-se que, praticamente, tudo estava ali. O papel da prefeitura foi o de ser um indutor desses acertos. Um deles, por exemplo, é uma incubadora para a criação de novas empresas, que envolve entidades como o Sebrae, além de uma universidade. Decidiu-se criar um parque tecnológico, em 400 mil metros quadrados, para se desenvolverem, entre outras coisas, pesquisas e empresas que fabricam novos produtos com cana: remédios, alimentos e plásticos. É a alcoolquímica substituindo os sujos derivados de petróleo. O projeto nem bem saiu do papel e uma grande empresa petrolífera (Total), interessada em biocombustíveis, já mandou avisar que quer participar dele -duas universidades públicas também informaram que vão entrar no parque. Monta-se, assim, mais uma possibilidade de empregos, mantendo o círculo virtuoso do conhecimento. Esse arranjo produtivo local ainda está engatinhando. Não se pode ainda fazer uma avaliação. Certamente o esforço ficará comprometido caso não se traduza na melhoria dos demais equipamentos sociais da cidade -a começar, é claro, da educação formal- e nos avanços das condições de vida dos trabalhadores, especialmente os cortadores de cana, para quem a modernidade ainda não chegou e, aliás, parece ter permanecido no século 17. Além das tecnológicas, está em discussão o papel contemporâneo do gestor municipal. A eficácia das políticas públicas, como sugere a experiência de Piracicaba, depende, em larga medida, de que o prefeito abandone um olhar provinciano e seja o principal articulador de redes, influenciando até na geração de renda -isso é o que significa também a inusual estatística de desemprego de 6% negativos. PS - Coloquei em meu site (www.dimenstein.com.br) mais detalhes da experiência de Piracicaba, especialmente sobre o arranjo produtivo em torno do etanol.
gdimen@uol.com.br |
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