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MOACYR SCLIAR
A pizza homenageada
Não pôde ocultar
que tinha ressentimentos em relação à maneira como tem sido tratada no Brasil.
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A pizza, símbolo da gastronomia paulistana, ganha uma semana inteira de comemorações. De segunda, dia 10 de julho, até domingo, dia 16.
Pela programação, todos os estabelecimentos participantes criarão uma pizza
única com ótimos ingredientes. Esta nova pizza será vendida durante a semana
programada para o festival pela pizzaria, pelo mesmo preço da pizza de mussarela da casa. Folha Online
ENTREVISTADA NUM programa
radiofônico de grande audiência, a pizza declarou-se
sumamente gratificada e honrada
com a homenagem que lhe é prestada em São Paulo. Evocou sua origem, antiga e humilde, remontando
à época em que egípcios e hebreus
misturavam farinha de trigo e água
para assar em fornos rústicos o "pão
de Abraão", do qual nasceu o pão
árabe.
À época das cruzadas, ou talvez
antes, esta prática chegou à atual
Itália. Nápoles foi o berço da pizza;
ali, o termo "picea" passou a designar a fatia de massa em forma de
disco, com queijo derretido e outros
ingredientes por cima. Tratava-se
de alimento barato, vendido por
ambulantes. Mas a pizza viveu seu
momento de glória no século 19,
quando o padeiro Raffaele Esposito
foi incumbido pelo rei Humberto 1º
de incluir a pizza num banquete
real. Em homenagem à rainha Margherita, Esposito criou a pizza conhecida por este nome e que ostenta as cores da Itália no branco da
mussarela, no vermelho do tomate
e no verde do manjericão.
Ao Brasil, a pizza chegou trazida
pelos imigrantes italianos. Foi uma
história de sucesso: só na Grande
São Paulo, são vendidos cerca de 50
milhões de pizzas ao mês.
A que atribuir tal êxito? A pizza tinha uma resposta para isso. Em primeiro lugar mencionou a sabedoria
dos ingredientes: a proteína do
queijo combinada com os hidratos
de carbono da massa. Ou seja: matéria-prima para formar os tecidos do
corpo mais energia para mover este
mesmo corpo. Depois, a forma da
própria pizza: redonda, como o Sol,
como a Lua, como a Terra. Pouca
profundidade? Certo, mas muita
superfície, e quando se trata de povo, garantiu a entrevistada, é melhor superfície do que profundidade.
Apesar disso, a pizza não pôde
ocultar que tinha ressentimentos
em relação à maneira como tem sido tratada no Brasil. Não admite,
para começar, que se use a expressão "terminou em pizza", para designar aquela situação em que políticos envolvidos em escândalo escapam da punição. Pior ainda, acrescentou, já com a voz embargada, foi
a "dança da pizza", com a qual uma
deputada federal celebrou a absolvição de um colega acusado de participar no esquema do mensalão. Essas
coisas, bradou, tinham de ser levadas adiante, com a exemplar punição de culpados.
Constrangido, o entrevistador colocou o microfone à disposição para
eventuais acusações e denúncias.
Mas, tendo desabafado, a pizza agora estava em outro ânimo, conciliador, amistoso. Afinal, não valia a pena estragar uma semana de comemorações. "Estamos mesmo terminando em pizza", pensou o jornalista. Pensou, mas não disse. Em matéria de pizza, tudo o que vale a pena
discutir são os sabores e os ingredientes. O resto é conversa. Conversa animada, em torno a uma enorme
e saborosa pizza.
MOACYR SCLIAR escreve, às segundas-feiras, um texto
de ficção baseado em notícias publicadas na Folha
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