São Paulo, segunda-feira, 10 de julho de 2006

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MOACYR SCLIAR

A pizza homenageada


Não pôde ocultar que tinha ressentimentos em relação à maneira como tem sido tratada no Brasil.

 A pizza, símbolo da gastronomia paulistana, ganha uma semana inteira de comemorações. De segunda, dia 10 de julho, até domingo, dia 16.
Pela programação, todos os estabelecimentos participantes criarão uma pizza única com ótimos ingredientes. Esta nova pizza será vendida durante a semana programada para o festival pela pizzaria, pelo mesmo preço da pizza de mussarela da casa.
Folha Online

ENTREVISTADA NUM programa radiofônico de grande audiência, a pizza declarou-se sumamente gratificada e honrada com a homenagem que lhe é prestada em São Paulo. Evocou sua origem, antiga e humilde, remontando à época em que egípcios e hebreus misturavam farinha de trigo e água para assar em fornos rústicos o "pão de Abraão", do qual nasceu o pão árabe.
À época das cruzadas, ou talvez antes, esta prática chegou à atual Itália. Nápoles foi o berço da pizza; ali, o termo "picea" passou a designar a fatia de massa em forma de disco, com queijo derretido e outros ingredientes por cima. Tratava-se de alimento barato, vendido por ambulantes. Mas a pizza viveu seu momento de glória no século 19, quando o padeiro Raffaele Esposito foi incumbido pelo rei Humberto 1º de incluir a pizza num banquete real. Em homenagem à rainha Margherita, Esposito criou a pizza conhecida por este nome e que ostenta as cores da Itália no branco da mussarela, no vermelho do tomate e no verde do manjericão.
Ao Brasil, a pizza chegou trazida pelos imigrantes italianos. Foi uma história de sucesso: só na Grande São Paulo, são vendidos cerca de 50 milhões de pizzas ao mês.
A que atribuir tal êxito? A pizza tinha uma resposta para isso. Em primeiro lugar mencionou a sabedoria dos ingredientes: a proteína do queijo combinada com os hidratos de carbono da massa. Ou seja: matéria-prima para formar os tecidos do corpo mais energia para mover este mesmo corpo. Depois, a forma da própria pizza: redonda, como o Sol, como a Lua, como a Terra. Pouca profundidade? Certo, mas muita superfície, e quando se trata de povo, garantiu a entrevistada, é melhor superfície do que profundidade.
Apesar disso, a pizza não pôde ocultar que tinha ressentimentos em relação à maneira como tem sido tratada no Brasil. Não admite, para começar, que se use a expressão "terminou em pizza", para designar aquela situação em que políticos envolvidos em escândalo escapam da punição. Pior ainda, acrescentou, já com a voz embargada, foi a "dança da pizza", com a qual uma deputada federal celebrou a absolvição de um colega acusado de participar no esquema do mensalão. Essas coisas, bradou, tinham de ser levadas adiante, com a exemplar punição de culpados.
Constrangido, o entrevistador colocou o microfone à disposição para eventuais acusações e denúncias. Mas, tendo desabafado, a pizza agora estava em outro ânimo, conciliador, amistoso. Afinal, não valia a pena estragar uma semana de comemorações. "Estamos mesmo terminando em pizza", pensou o jornalista. Pensou, mas não disse. Em matéria de pizza, tudo o que vale a pena discutir são os sabores e os ingredientes. O resto é conversa. Conversa animada, em torno a uma enorme e saborosa pizza.


MOACYR SCLIAR escreve, às segundas-feiras, um texto de ficção baseado em notícias publicadas na Folha

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