São Paulo, terça-feira, 10 de agosto de 2004

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CORTINA DE FUMAÇA

Artigo diz que a empresa recorreu à mídia para contestar estudo

Philip Morris usou jornalistas

MARIO CESAR CARVALHO
DA REPORTAGEM LOCAL

A Philip Morris dos Estados Unidos usou jornalistas para colocar em dúvida as conclusões de uma agência americana sobre os efeitos letais do fumo passivo. A informação aparece em documentos do próprio fabricante de cigarros, reproduzidos em artigo publicado na edição deste mês do "American Journal of Preventive Medicine".
O alvo da campanha foi um relatório de 1992. A Agência de Proteção Ambiental dos EUA tentou editar um documento que concluíra que o fumo passivo era responsável por um tipo de câncer que causava 3.000 mortes de não-fumantes por ano naquele país (no Brasil, não há estimativas). Estudos sobre fumo passivo existiam desde a década de 60, mas era o primeiro documento público que associava a fumaça no ar à morte de não-fumantes.
A Philip Morris fez de tudo para adiar a publicação desse documento e desacreditá-lo, segundo Richard Hurt, autor do artigo e diretor do Centro de Dependência de Nicotina da Clínica Mayo, uma das mais famosas dos EUA.
Uma das primeiras providências da Philip Morris foi contratar uma empresa de relações públicas, a Burson Marsteller, para colocar em dúvida as conclusões do documento. Segundo um documento da Philip Morris, a Burson Marsteller devia "criar dúvidas consideradas razoáveis" sobre as "fraquezas científicas" do relatório sobre o fumo passivo.
(Em 1953, quando surgiram as primeiras pesquisas associando o cigarro ao câncer, a indústria adotou a mesma estratégia -contratou uma empresa de relações públicas e propagou o discurso de que havia "controvérsia científica" sobre os efeitos do cigarro. Àquela época, a indústria já sabia que cigarro provocava câncer.)
Outro documento da Philip Morris mostra que a empresa contratou um consultor político e de mídia, chamado Richard Hines, para influenciar jornalistas. Em 1993, Steve Parrish, vice-presidente da Philip Morris à época, escreveu que o trabalho do consultor foi "responsável por numerosos artigos que apareceram (...) nos principais jornais" sobre fumo passivo e o relatório da agência. Parrish é vice-presidente de assuntos corporativos da Altria, grupo criado em 2002 pela junção da Philip Morris e Kraft Foods.
A Philip Morris, segundo o artigo de Hurt, também influenciou a imprensa por meio do Centro Nacional de Jornalismo, uma entidade que era financiada pela fábrica de cigarros.
O pesquisador encontrou os documentos em arquivos que a indústria do cigarro foi obrigada a criar depois que fez um acordo, em 1998, pelo qual pagará uma indenização aos Estados americanos de US$ 246 bilhões até 2018. Só em um dos arquivos, em Minnesota, Hurt diz que foram examinadas 2.500 caixas, cada uma com 2.000 páginas. Ele restringiu o levantamento aos papéis de abril de 1998 a fevereiro de 2002.
Outro documento mostra que a Philip Morris planejava usar o Centro Nacional de Jornalismo para divulgar a posição da empresa sobre fumo passivo por meio de programas de educação para políticos e para jornalistas.
O artigo relata que os financiamentos a centros de discussão e pesquisa (chamados de "think tank") resultaram em artigos de jornalistas a eles associados com críticas à agência que havia feito o relatório sobre fumo passivo.


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