São Paulo, Domingo, 10 de Outubro de 1999
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Quatro Estados têm 150 denúncias em 99

Em São Paulo

As ouvidorias de polícia de São Paulo, Rio de Janeiro, Minas Gerais e Pará já receberam 150 denúncias de tortura em 1999.
Com 103 denúncias até setembro, de acordo com levantamento parcial, a ouvidoria paulista projeta 137 até dezembro, o que significaria um aumento de 10,5% em relação às 124 do ano passado.
Se a tendência se confirmar, a queda verificada em 1998 (cerca da metade das 243 queixas de 1997) será interrompida.
Nos seis primeiros meses do ano, a Ouvidoria do Pará recebeu 13 relatos de tortura praticada por policiais, quase igualando os 14 de todo o ano passado.
A Ouvidoria do Estado do Rio entrou em funcionamento em março. No balanço inédito sobre os seis primeiros meses, há 24 queixas de tortura, num universo de 182 sobre violência policial.
Apesar do aumento de casos, não é seguro concluir que o fenômeno se expande no Brasil dois anos depois da entrada em vigor da lei 9.455, de abril de 1997, definindo o crime de tortura.
As denúncias às ouvidorias crescem à medida que a instituição se consolida e passa a ser mais procurada. As 243 queixas protocoladas em SP em 97 corresponderam a 6,4% do total de reclamações. Em 99, os 103 casos representam 1,4%.
Cada episódio pode envolver várias vítimas ou supostas vítimas. Em 1998, laudo do IML confirmou que 107 presos foram espancados no Departamento de Investigações Sobre Crimes Contra o Patrimônio.
As estatísticas das ouvidorias de polícia são as mais amplas sobre tortura. Como o órgão é independente, os denunciantes se sentem menos intimidados do que procurando as Corregedorias da PM e da Polícia Civil.
Se é difícil saber com precisão qual o impacto da Lei da Tortura em delegacias e quartéis, é possível afirmar que, juridicamente, sua aplicação é restrita.
No mês passado, nove policiais foram presos no Rio com base na lei. Oito deles são acusados de tortura num episódio cuja apuração começou na Ouvidoria da Polícia, após denúncia da vítima à ouvidora Julita Lemgruber. Em Minas Gerais, um policial foi condenado a 18 anos de detenção.
Os episódios de Rio e Minas são exceção. "Os policiais são punidos por lesão corporal e não por tortura", diz o ouvidor de São Paulo, Benedito Domingos Mariano, coordenador do Fórum Nacional de Ouvidores de Polícia.
Embora a ouvidoria paulista registre as acusações no item "tortura-espancamento", os policiais são investigados nas corporações por lesões corporais.
Na hipótese de condenação judicial, a pena é mais branda -de três meses a cinco anos- do que se o crime fosse tipificado como tortura, com pena que pode alcançar 21 anos, em caso de autor agente público e morte da vítima.
"E o Ministério Público também não denuncia por tortura", afirma Benedito Mariano.
No Pará, a ouvidora Rosa Marga Rothe constatou que, mesmo após a nova lei, os programas de informática da Secretaria da Segurança Pública não previam o crime de tortura, mas apenas se referiam a lesões corporais.
Em 98, os softwares foram atualizados. Seis meses depois, não havia nenhuma ocorrência relativa a tortura nas delegacias.
A própria ouvidoria separa nos seus relatórios o item tortura do de lesões corporais, numa fronteira cujos limites são tênues.
A lei 9.455 determina ser crime de tortura "constranger alguém com emprego de violência ou grave ameaça, causando-lhe sofrimento físico ou mental" e "submeter alguém sob sua guarda, poder ou autoridade, com emprego de violência ou grave ameaça, a intenso sofrimento físico ou mental, como forma de aplicar castigo pessoal ou medida de caráter preventivo". Ou seja: a lei é ampla para enquadrar até casos em que o policial não tocou na vítima, mas torturou-a mentalmente.
Mesmo assim, a ouvidoria mineira só contabiliza dez denúncias em 99. "Para constar como tortura, é preciso que a pessoa diga que foi torturada", diz o ouvidor José Roberto de Rezende. Por isso, no primeiro ano do órgão, completado anteontem, houve 195 denúncias de "abuso de autoridade com agressão", e poucas de tortura.
A recém-instalada Ouvidoria da Polícia do Rio Grande do Sul ainda não têm estatística. A da Bahia está sendo criada.
Mesmo com a corporação investigando seus quadros por lesões corporais, há pouca punição. Em 98, incluindo todos os tipos de queixa (corrupção, estelionato etc.), 1.258 policiais civis de SP foram denunciados na ouvidoria. Só 23 (1,8%) foram punidos.
Dos 124 policiais civis e militares investigados por lesões corporais, 39 receberam punições disciplinares. Em todo o país, a tortura continua sendo um dos métodos de investigação mais usados.
"Quando se prende para investigar e não se investiga para prender, uma das formas de obter informações é a tortura", diz Mariano.
A cultura local faz a diferença na forma. O espancamento é comum no país inteiro. No Norte, a palmatória é fartamente utilizada.
Em Minas, há muitos casos de pau-de-arara (barra horizontal na qual o preso é pendurado). Há nove dias, promotores chegaram à Delegacia de Furtos e Roubos, em Belo Horizonte, no momento em que havia uma sessão de pau-de-arara, conforme depoimento de presos. (MM)

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