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Quatro Estados têm 150 denúncias em 99
Em São Paulo
As ouvidorias de polícia de São
Paulo, Rio de Janeiro, Minas Gerais e Pará já receberam 150 denúncias de tortura em 1999.
Com 103 denúncias até setembro, de acordo com levantamento
parcial, a ouvidoria paulista projeta 137 até dezembro, o que significaria um aumento de 10,5% em
relação às 124 do ano passado.
Se a tendência se confirmar, a
queda verificada em 1998 (cerca
da metade das 243 queixas de
1997) será interrompida.
Nos seis primeiros meses do
ano, a Ouvidoria do Pará recebeu
13 relatos de tortura praticada por
policiais, quase igualando os 14 de
todo o ano passado.
A Ouvidoria do Estado do Rio
entrou em funcionamento em
março. No balanço inédito sobre
os seis primeiros meses, há 24
queixas de tortura, num universo
de 182 sobre violência policial.
Apesar do aumento de casos,
não é seguro concluir que o fenômeno se expande no Brasil dois
anos depois da entrada em vigor
da lei 9.455, de abril de 1997, definindo o crime de tortura.
As denúncias às ouvidorias
crescem à medida que a instituição se consolida e passa a ser mais
procurada. As 243 queixas protocoladas em SP em 97 corresponderam a 6,4% do total de reclamações. Em 99, os 103 casos representam 1,4%.
Cada episódio pode envolver
várias vítimas ou supostas vítimas. Em 1998, laudo do IML confirmou que 107 presos foram espancados no Departamento de
Investigações Sobre Crimes Contra o Patrimônio.
As estatísticas das ouvidorias de
polícia são as mais amplas sobre
tortura. Como o órgão é independente, os denunciantes se sentem
menos intimidados do que procurando as Corregedorias da PM
e da Polícia Civil.
Se é difícil saber com precisão
qual o impacto da Lei da Tortura
em delegacias e quartéis, é possível afirmar que, juridicamente,
sua aplicação é restrita.
No mês passado, nove policiais
foram presos no Rio com base na
lei. Oito deles são acusados de tortura num episódio cuja apuração
começou na Ouvidoria da Polícia,
após denúncia da vítima à ouvidora Julita Lemgruber. Em Minas
Gerais, um policial foi condenado
a 18 anos de detenção.
Os episódios de Rio e Minas são
exceção. "Os policiais são punidos por lesão corporal e não por
tortura", diz o ouvidor de São
Paulo, Benedito Domingos Mariano, coordenador do Fórum
Nacional de Ouvidores de Polícia.
Embora a ouvidoria paulista registre as acusações no item "tortura-espancamento", os policiais
são investigados nas corporações
por lesões corporais.
Na hipótese de condenação judicial, a pena é mais branda -de
três meses a cinco anos- do que
se o crime fosse tipificado como
tortura, com pena que pode alcançar 21 anos, em caso de autor
agente público e morte da vítima.
"E o Ministério Público também não denuncia por tortura",
afirma Benedito Mariano.
No Pará, a ouvidora Rosa Marga Rothe constatou que, mesmo
após a nova lei, os programas de
informática da Secretaria da Segurança Pública não previam o
crime de tortura, mas apenas se
referiam a lesões corporais.
Em 98, os softwares foram atualizados. Seis meses depois, não
havia nenhuma ocorrência relativa a tortura nas delegacias.
A própria ouvidoria separa nos
seus relatórios o item tortura do
de lesões corporais, numa fronteira cujos limites são tênues.
A lei 9.455 determina ser crime
de tortura "constranger alguém
com emprego de violência ou grave ameaça, causando-lhe sofrimento físico ou mental" e "submeter alguém sob sua guarda, poder ou autoridade, com emprego
de violência ou grave ameaça, a
intenso sofrimento físico ou mental, como forma de aplicar castigo
pessoal ou medida de caráter preventivo". Ou seja: a lei é ampla para enquadrar até casos em que o
policial não tocou na vítima, mas
torturou-a mentalmente.
Mesmo assim, a ouvidoria mineira só contabiliza dez denúncias em 99. "Para constar como
tortura, é preciso que a pessoa diga que foi torturada", diz o ouvidor José Roberto de Rezende. Por
isso, no primeiro ano do órgão,
completado anteontem, houve
195 denúncias de "abuso de autoridade com agressão", e poucas
de tortura.
A recém-instalada Ouvidoria da
Polícia do Rio Grande do Sul ainda não têm estatística. A da Bahia
está sendo criada.
Mesmo com a corporação investigando seus quadros por lesões corporais, há pouca punição.
Em 98, incluindo todos os tipos
de queixa (corrupção, estelionato
etc.), 1.258 policiais civis de SP foram denunciados na ouvidoria.
Só 23 (1,8%) foram punidos.
Dos 124 policiais civis e militares investigados por lesões corporais, 39 receberam punições disciplinares. Em todo o país, a tortura
continua sendo um dos métodos
de investigação mais usados.
"Quando se prende para investigar e não se investiga para prender, uma das formas de obter informações é a tortura", diz Mariano.
A cultura local faz a diferença na
forma. O espancamento é comum no país inteiro. No Norte, a
palmatória é fartamente utilizada.
Em Minas, há muitos casos de
pau-de-arara (barra horizontal na
qual o preso é pendurado). Há
nove dias, promotores chegaram
à Delegacia de Furtos e Roubos,
em Belo Horizonte, no momento
em que havia uma sessão de pau-de-arara, conforme depoimento
de presos.
(MM)
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