São Paulo, Domingo, 10 de Outubro de 1999
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Carcereiros e homens do Grupo de Operações Especiais obrigam os presos a andar de joelhos sobre comida após tentativa de fuga em distrito policial
Presos levam "bicudas" e policiais dão risadas


LILIAN CHRISTOFOLETTI
da Reportagem Local


No dia 16 de maio deste ano, cerca de 20 policiais civis do GOE e da Delegacia Seccional Sul de São Paulo entraram no 26º DP (Sacomã) para tentar conter uma tentativa de fuga.
A operação foi gravada pelos presos, que denunciaram ter sido vítimas de espancamento, torturas e ameaças de morte.
Nos 60 minutos da gravação, obtida pela Folha com exclusividade, ouvem-se policiais obrigando os presos, vestidos apenas de cueca, a andarem de "cachorrinho" (de joelhos) pelo pátio, além de ameaças de morte.
Na fita, o som das surras e dos gemidos é abafado pelos palavrões ditos pelos policiais.
Segundo os presos, as sessões de tortura foram presenciadas por uma delegada -cuja voz aparece na fita-, por dois carcereiros e por cerca de 20 policiais civis do GOE (Grupo de Operações Especiais) e da seccional sul.
"Foi um inferno. O nosso joelho ficou arrebentado e eles (os policiais) só davam risada. A gente andava de cachorrinho sobre a nossa comida", disse Marcondes Alberto Alves dos Santos, 22, preso por assalto à mão armada.

Tortura
O policial que mais se destacou na prática de tortura, segundo os presos, foi o carcereiro Andhre Hysmael Retz Nunes.
"Ele (Nunes) dava murro e ficava repetindo que queria matar um preso. Se a gente caía ou estava abaixado, ele dava bicudas(chutes) nas costas e no estômago até levantar", disse Ricardo de Oliveira, 21, preso por assalto à mão armada.
Segundo Flávio José da Silva, 23, preso há seis meses por roubo, Andhre espancou um detento porque ele havia se queixado das agressões. "A delegada (não identificada) estava aqui e viu tudo, mas não fez nada", afirmou Silva.
Após essa operação, Nunes foi transferido para o 99º DP, pois os presos não deixavam mais que ele entrasse na carceragem. "Foi muita humilhação. Não precisava disso. Só falar em policial do GOE, preso já treme", disse Silva.

Encapuzados
Reconhecer os policiais civis do GOE que participaram da ação é mais difícil porque a maioria estava encapuzada -prática considerada irregular pela Secretaria de Estado da Segurança Pública.
"A ocultação do rosto é permitida em operações especiais. Nesse caso, não é regular. O fato de eles entrarem na cadeia encapuzados torna evidente que iriam cometer alguma irregularidade", disse o secretário-adjunto da Segurança, Mário Papaterra Limongi.
O fato de policiais terem usado capuz dificulta o reconhecimento dos torturadores na Justiça.
"Só a fita não é prova. É preciso que os presos reconheçam seus agressores. Se os policiais estavam encapuzados, isso torna-se quase impossível", afirmou o promotor de Justiça Gabriel Inellas


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