São Paulo, Domingo, 10 de Outubro de 1999
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Oficial da PM diz que Covas é boneco e secretário, idiota

Antônio Gaudério/Folha Imagem
Policial mostra fita cassete com o discurso em que o tenente-coronel Pimenta (no destaque) sugere a subordinados que matem bandidos


em São Paulo


"Vagabundo é caixão, não tem chance! E vagabundo com farda é a mesma merda! Vai pro inferno, não tem chance!"
Essas foram algumas das frases ditas à tropa, em junho, julho e agosto, pelo comandante do 5º BPMM (Batalhão de Policiamento Militar Metropolitano) de São Paulo, tenente-coronel Edson Pimenta Bueno Filho.
O oficial da PM também afirmou aos comandados que o governador Mário Covas é um "boneco" à frente do Estado, chamou o secretário da Segurança Pública, Marco Vinicio Petrelluzzi , de "idiota" e "hipócrita" e qualificou o ouvidor da polícia, Benedito Mariano, de "cuzão".
As frases estão registradas em fitas cassete gravadas secretamente por soldados do 5º BPMM durante preleções do tenente-coronel Pimenta.
Na noite da quarta-feira passada, os policiais militares entregaram duas fitas à Folha.
De acordo com soldados que assinaram denúncia contra o oficial na Ouvidoria da Polícia, "vagabundo é caixão" é uma referência a ordens para matar bandidos feridos em tiroteio, antes de chegar ao hospital.
Dois soldados que estiveram na ouvidoria no dia 18 de agosto assinaram termo afirmando que Pimenta também disse as seguintes frases à tropa: "Bandido mala (sinônimo de criminoso) tem que morrer. Não se apresenta ninguém em pé, pode matar que eu seguro. Em ocorrência de auto de resistência tem que apresentar bandido morto".
A legislação brasileira não prevê pena de morte.
Nas fitas obtidas pela Folha, o tenente-coronel critica a PM: "Tem que acabar essa merda, porque nós não temos comando nessa bosta aqui, não temos vergonha na cara. Nós queremos é tá na pilantragem, na vadiagem, é isso que nós todos queremos. Nós não somos profissionais".
As gravações têm deficiências técnicas provocadas pelas condições em que foram feitas, nas sedes de duas companhias do 5º BPMM e num auditório da Uniban (Universidade Bandeirante, também na zona norte).
Os soldados usaram um gravador pequeno, na maioria das vezes escondido dentro da camisa ou na meia. Em outra ocasião, um policial, de pé entre colegas, segurou o aparelho com a mão, obtendo um som mais nítido.
O 5º BPMM reúne cerca de 800 homens e fica na Vila Maria. Faz policiamento em bairros da zona norte da capital paulista.

Denúncia anônima
Pimenta sabia que poderia estar sendo gravado. Em maio, soldados haviam feito denúncia anônima contra ele à Ouvidoria da Polícia, e o oficial fora informado pela corregedoria. Depois entregaram duas fitas, uma em agosto, outra em setembro, formalizando a acusação.
Como se ouve nas fitas, Pimenta afirma saber que PMs estão gravando suas preleções. Irado e aos gritos, usa ampla variedade de palavrões contra quem pode estar -e estava- gravando.
Ao xingar o ouvidor, diz que Mariano "quer denegrir a Polícia Militar". O oficial teme estar sendo filmado com microcâmera: "Então pode me filmar à vontade, pode passar pra governador, pra boneco que tá comandando aí o Estado".
Pimenta chama o secretário da Segurança de "idiota" e "hipócrita" porque Petrelluzzi teria afirmado que há possibilidade de o governo do Estado acabar com o tráfico de crack até 2002.
O tenente-coronel afirma que seus homens estão proibidos de "constatar e legitimar" casos de drogas. Ou seja, não podem levar a droga para o exame que atesta sua natureza nem encaminhar o criminoso para exame de impressões digitais. Para Pimenta, isso é trabalho da Polícia Civil.
Irritado porque alguns delegados teriam se negado a fazer esse trabalho, ele avisa, inclusive aos soldados: "Vocês aqui são tão autoridade quanto o delegado de polícia".

Ouvidor
O ouvidor da Polícia de São Paulo, Benedito Mariano, confirmou ter recebido as fitas e as denúncias de soldados contra o tenente-coronel Pimenta.
No dia 11 de maio, o mesmo em que recebeu denúncia anônima, encaminhou-a à Corregedoria da PM. Em 20 de agosto, o comando da corporação concluiu pela "inexistência de veracidade". Ainda não havia as fitas.
A primeira foi entregue em 13 de agosto. A segunda, em 2 de setembro. Em ambas as ocasiões, o anonimato terminou, e soldados assinaram um termo de declaração com as acusações.
O ouvidor enviou as fitas à Secretaria da Segurança Pública e ao comando da Polícia Militar. Em 5 de outubro, depois de ler resposta escrita de Pimenta, pediu ao comando da corporação o afastamento do oficial.
"Ele não tem o equilíbrio necessário para comandar qualquer unidade da PM. Por isso propomos o seu imediato afastamento do cargo de comandante do 5º BPMM. Pelo relato dos soldados, precisa-se apurar indícios de dois crimes: incitação e apologia de crime".
A pena prevista para incitação e apologia de crime é a mesma: três meses a seis meses de detenção ou multa.
No fim da tarde de sexta-feira, a PM não informava a situação do oficial. No quartel do batalhão, a secretária e um capitão disseram que ele estava gozando de "licença recompensa" desde o começo da semana.
(MÁRIO MAGALHÃES)

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