São Paulo, domingo, 10 de outubro de 2004

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SAÚDE

Médicos afirmam ser inútil pagar pela preservação do sangue do cordão umbilical para tratar leucemia

Banco privado de célula-tronco é "ilusão"

CLÁUDIA COLLUCCI
DA REPORTAGEM LOCAL

É praticamente inútil pagar pelo congelamento do sangue do cordão umbilical do bebê, material rico em células-tronco. No tratamento da leucemia -principal utilização hoje do transplante de células de cordão-, é mais eficaz usar células compatíveis, disponíveis em bancos públicos de sangue de cordão umbilical, do que da própria criança.
A afirmação é de médicos e geneticistas que classificam como "venda de ilusão" a oferta de serviços privados de congelamento de sangue de cordão umbilical. Há pelo menos sete bancos no país, que atendem as principais maternidades particulares. Cobram preços que vão de R$ 3.000 a R$ 4.000, mais uma taxa anual de manutenção de cerca de R$ 500.
Esses serviços proliferaram nos EUA, onde existem mais de 40 bancos privados de cordão. Na Europa, porém, há um consenso entre os especialistas de que não existem vantagens no congelamento "privado" do sangue do cordão umbilical.
Nos últimos anos, o investimento tem sido na organização de uma rede mundial pública, que hoje reúne 180 mil cordões umbilicais. O Brasil criou em setembro sua rede nacional e pretende se unir à mundial no próximo ano.
Os especialistas apontam pelo menos cinco razões que desencorajariam o ato de pagar pelo congelamento do sangue do cordão umbilical do bebê:
(1) a incidência da leucemia é pouco freqüente: dos zero aos 20 anos, as chances são de um a cada grupo de 20 mil pessoas;
(2) a maioria das leucemias é provocada por um defeito genético presente em todas as células do corpo -inclusive nas células-tronco-, segundo a geneticista Mayana Zatz, da USP;
(3) pesquisas demonstram que o organismo reage muito melhor ao transplante de células-tronco compatíveis, recebidas de uma outra pessoa. Há relatados pelo menos 4.000 transplantes alogênicos (com sangue do cordão umbilical de outro bebê) contra cinco autólogos (do próprio bebê), de acordo com o médico Carlos Alberto Moreira Filho, diretor do Instituto de Ensino e Pesquisa do Hospital Israelita Albert Einstein (São Paulo) e professor do departamento de imunologia da USP;
(5) 60% dos cordões não têm a quantidade de células-tronco suficiente para um transplante. E, em geral, as células retiradas de um único embrião só beneficiam pessoas com, no máximo, 60 kg.
O hematologista Nelson Tatsui, diretor técnico do banco de cordão umbilical Criogênesis, de São Paulo, concorda que o uso do sangue do cordão umbilical no próprio bebê, para tratamento de leucemias e outras doenças do sangue, seja "raríssimo", mas acredita que, em razão da plasticidade das células-tronco -capazes de se transformar em vários tipos de tecido- vale a pena congelá-las.
Sobre o defeito genético presentes nas células da criança que desenvolve leucemia, Tatsui acredita que, devido aos avanços científicos, no futuro haverá uma forma de corrigir essa falha. Da mesma forma, afirma ele, o número de células-tronco, no futuro, poderá ser aumentado por meio do cultivo em laboratório.
Na sua opinião, pessoas que vierem a precisar de um transplante de células-tronco terão dificuldades de encontrar material compatível nos bancos públicos. Para ele, 12 mil amostras -meta da rede nacional que reúne os bancos públicos- são insuficientes para cobrir a diversidade genética da população brasileira. "Será uma probabilidade matemática."
Moreira Filho, do Albert Einstein, discorda. De acordo com ele, 12 mil bolsas de sangue de cordão são suficientes. "A rede mundial de bancos públicos trabalha com excesso de oferta. Há vários cordões compatíveis para o mesmo indivíduo", diz.
Tatsui também defende que o sangue do cordão guardado nos bancos privados pode ajudar, além da criança, pessoas da família. Ele diz que há 200 transplantes no mundo em que irmãos utilizaram as células-tronco do cordão umbilical de outro irmão, que estavam congeladas em bancos privados. "Elas não servem só para o bebê", argumenta.
Para o ginecologista e obstetra Marcelo Zugaib, do Hospital das Clínicas de São Paulo, o ideal é que os pais dêem crédito ao banco público, que precisa de uma grande amostragem para se tornar efetivo. "Além de não arcar com os custos da coleta e da manutenção, eles poderão recorrer ao banco em uma eventual necessidade."
Outra preocupação que os pais devem ter, na opinião do médico, é com a idoneidade da empresa privada que armazenará os cordões. "Como garantir que esse material vai permanecer intacto e viável o resto da vida?", questiona.
O também ginecologista e obstetra Arnaldo Cambiagi não tem dúvidas de que guardar o sangue do cordão umbilical do bebê é um investimento que vale a pena. "As aplicações das células-tronco são promissoras. Eu aconselho as pacientes a fazer a coleta."
A psicóloga Tatiana Grinfeld, 26, recebeu há um ano um transplante de células-tronco de cordão umbilical quando houve recidiva de leucemia. Ela teve a doença diagnosticada aos 19 anos, fez quimio e radioterapia, mas a doença reapareceu ano passado.
Como não havia células de medula óssea compatíveis no Brasil, ela recorreu a um banco de cordão umbilical em Nova York. O transplante foi feito no hospital Albert Einstein com sucesso. "Espero que tenha sido um tratamento definitivo", diz ela, que agora tenta fortalecer o organismo, ainda fragilizado com tantas sessões de quimio e radioterapia.

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