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São Paulo, segunda-feira, 10 de novembro de 2003

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MOACYR SCLIAR

On demand

Sim, eu sei que on demand é muito, muito, muito importante. Mas o que isso significa mesmo? Anúncio publicitário, 5.nov.2003

Ela tinha 20 anos e era uma ingênua mocinha do interior. Vivia com a mãe, viúva, numa pequena casa; não trabalhava, não estudava. As duas se sustentavam precariamente com a pequena pensão do falecido marido e pai, um homem que vivera e morrera em silêncio. Ela não sabia exatamente o que fazer de sua vida. Olhava televisão e sonhava com o príncipe encantado. Que, pelo jeito, não morava na pequena cidade; nenhum dos rapazes que conhecia lhe interessava. O que deixava a mãe inquieta: você precisa casar, minha filha, sua vida está passando, quando você se der conta, será tarde demais. Ela dava de ombros. O que podia fazer? Estava ali, à disposição. Se alguém aparecesse, tudo bem.
Alguém apareceu. E de surpresa. Um dia surgiu por lá um senhor vindo da capital. O nome dele era Robledo, e vinha a ser parente distante delas. Estava aproveitando a oportunidade de uma viagem pela região para conhecer esse modesto ramo da família. Convidou-as para jantar, levou-as a passear em seu carro. A mãe estava encantada. E quando notou que Robledo, que era viúvo, estava interessado na moça, não vacilou: esta é a sua chance de ouro, minha filha, você não pode perder essa oportunidade. Ela não sabia muito bem se gostava do parente; sim, ele lhe parecia simpático e mais, estava muito bem de vida, mas não era bem amor -pelo menos, não era nada parecido àqueles casos de tórrida paixão que via na TV. Contudo, respeitava tanto a mãe que, quando o senhor Robledo a pediu em casamento, respondeu que sim, que casaria com ele.
Foram viver na capital. A mãe não a acompanhou. Nasci aqui e cresci aqui, disse, neste lugar eu vou morrer. Além disso, alguém precisava cuidar do túmulo do falecido, e esta tarefa ela não delegaria a ninguém. De modo que ficou lá no interior.
Os primeiros meses de vida conjugal foram muito bons -para ela. O marido, empresário relativamente próspero, tratava-a bem, levava-a ao teatro, a restaurantes. Mas a verdade é que parecia desapontado. Porque ela, apesar de bonitinha, aparentemente não correspondia às suas expectativas. Era tímida demais, quieta demais. E, para falar a verdade, não era lá essas coisas na cama. Ele começou a sair sozinho à noite. E voltava cada vez mais tarde. Seguramente tinha outra. Ou outras. Os telefonemas anônimos logo confirmaram as suspeitas: você é muito tola, garota, seu marido trai você adoidado.
Finalmente, ela criou coragem e resolveu interpelá-lo a respeito. Que ele estivesse desapontado com o casamento, era compreensível. Mas ela? Como é que ela ficava? Ele pensou um pouco e respondeu:
Você fica on demand.
Sim, ela sabe que é muito, muito importante estar on demand. Mas o que isso significa, mesmo?


Moacyr Scliar escreve às segundas-feiras, nesta coluna, um texto de ficção baseado em matérias publicadas no jornal.


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