São Paulo, sexta-feira, 10 de novembro de 2006

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opinião

A ortotanásia e o que diz o direito penal

RICARDO BARBOSA ALVES
ESPECIAL PARA A FOLHA

Difere da clássica idéia de eutanásia, tão combatida por leis e religiões, a supressão ou limitação dos procedimentos que prolonguem a vida de um paciente -a chamada ortotanásia, que recente resolução do Conselho Federal de Medicina tenta regulamentar.
Um olhar complacente verá na resolução uma prova de humildade da ciência diante das leis inexoráveis da vida. Uma visão mais cautelosa enxergará os perigos de dar excessiva elasticidade ao princípio da autonomia. É mesmo sedutor o efeito tranqüilizante da transferência de responsabilidade ao paciente. O consentimento desanuvia consciências, mas terá algum valor? Há quem diga que não: até nos desenganados o desejo de morrer é sempre fugaz. Diz Elizabeth Kübler-Ross: "Jamais tive um paciente que quisesse morrer de forma tão firme que sua convicção resistisse a uma longa conversa ou a remédios apropriados". Sobre os perigos do consentimento firmado por parentes, Clint Eastwood e seu "Menina de Ouro" falam por nós.
Como o direito penal deve tratar da matéria? É uma questão difícil de ser disciplinada por normas abstratas. Mas não se esqueça que a lei deve proteger a vida humana como bem irrenunciável e intangível. Não procede, pois, a grita dos que dizem que esse problema deve ficar à margem do direito penal.
Não é recomendável que o Estado renuncie ao direito de exercer o controle sobre ações que podem lesar bem jurídico de tal magnitude.
Não se trata de uma defesa intransigente da proliferação de medidas penalizadoras -e sim de garantir ao direito penal a faculdade de buscar o justo equilíbrio entre as inclinações pessoais e o interesse público na preservação do mais importante dos direitos humanos.


Ricardo Barbosa Alves é promotor e mestre em filosofia do direito pela PUC-SP

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