São Paulo, quarta-feira, 10 de dezembro de 2008

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GILBERTO DIMENSTEIN

Teatro em casa


Chamou escritores, atores e dramaturgos para montarem peças curtas que pudessem ser exibidas na internet

DEPOIS DE SOBREVIVER a três campos de concentração, o polonês Majer Jesion despediu-se da Europa, durante o inverno, e chegou de navio ao Rio, no verão, num dia de Carnaval. Não entendeu nada. Vivia repetindo em tom de brincadeira o que sentiu ao andar pela cidade: "Diretamente do inferno para o hospício". Há seis meses, ele morreu após sofrer um ataque cardíaco, aos 84 anos, mas, com sua frase, sobrevive num teatro que surgiu há duas semanas -um teatro tão estranho quanto a sua primeira impressão do Brasil.
É estranho porque, para começar, não tem palco nem platéia. Nem bilheteria. As diversas peças ocorrem em espaços de uma casa particular, acessíveis apenas pela internet. "Minha casa virou meu palco", conta a atriz Renata Jesion, filha de Majer.
A idéia de transformar a casa num teatro começa por causa de uma peça, intitulada 121023J, feita por Renata inspirada na visão trágica e bem-humorada de seu pai -o título remete à numeração impressa pelos nazistas nos braços dos judeus. Às vezes, a platéia estava cheia, mas, muitas vezes, vazia. "Era sempre uma frustração ter muita coisa para falar e mostrar, mas sem ninguém para ouvir."

 

Resolveu criar o "Teatro Para Alguém". Chamou escritores, atores e dramaturgos para prepararem peças curtas, no máximo com dez minutos. Algumas delas são transmitidas ao vivo pela internet; outras são gravadas em alguns dos cômodos e ficam à disposição da platéia de internautas. "Foi o jeito que encontrei de democratizar o teatro e sempre ter alguém na platéia."   O caminho de Renata até o teatro passa pela piscina. Ela entrou numa faculdade de educação física e se especializou em natação. "Era um engano. Queria trabalhar o corpo, mas meu palco não era na piscina."
Envolveu-se com o Centro de Pesquisa Teatral, de Antunes Filho -desde então, foi atriz, produtora e professora.
Um de seus projetos, nutrido por muitos anos, era produzir a peça inspirada em seu pai e daí veio a decisão de fazer o "Teatro Para Alguém", em experiência há duas semanas, que a levou para a internet.
 
Seus projetos são ousados. Ela quer ter um mínimo de regularidade nas apresentações, sempre atraindo atores, diretores e dramaturgos dispostos a fazer peças sem custo até que, quem sabe, apareça um patrocínio. Quer também que, a partir do site, mais pessoas que desejem encenar em casa possam compartilhar sua produção, montando uma rede virtual de teatros. Renata está metida agora em entender os recursos da internet. "Estou apanhando sem parar." Tanto quanto apanhou ao sair da piscina e subir no palco.
Mas, pelo jeito, esses desafios não a assustam. Aprendeu com o pai que, na vida, somos obrigados a lidar, às vezes, com o inferno, outras com os hospícios. "O que nunca podemos perder é o humor."
Coloquei o link dessa experiência no www.catracalivre.com.br

gdimen@uol.com.br


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