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ARTIGO
E se o dr. Atkins tivesse se limitado à cardiologia?
CLARISSA DICKSON WRIGHT
E se Robert Atkins não tivesse
escrito seu famoso livro sobre dieta? A resposta óbvia é que sua viúva não estaria tão bem de vida e
ele talvez estivesse em estado melhor de saúde quando morreu, de
uma queda acidental, em 2003.
Talvez não tivesse passado por
um ataque cardíaco no ano anterior, causado, pode-se suspeitar,
pelos desgastes da vida de celebridade aliados a um regime dietético composto basicamente por alimentos gordurosos.
O mais importante é que, sem a
dieta Atkins, muita gente que fracassou e manteve seu excesso de
peso não teria danificado os rins.
Confesso minha afeição por um
homem que transformou fanáticos dedicados a alface, iogurte e
leite desnatado em devoradores
de ovos com bacon e costeletas de
porco gordurosas. Um caso clássico de "roupa nova de imperador", se poderia afirmar. Mas essa
descrição não se aplica a todo o fenômeno da dieta?
Dietas avançam paralelamente
à civilização. Quando uma nação
dispõe de excedentes de comida
abundantes e de tempo amplo para o lazer, seus cidadãos começam
a se preocupar com a imagem. As
damas da Roma antiga, dizem-nos, comiam aranhas vivas para
estimular o aparelho digestivo e
perder peso.
Lembro-me, quando era moça,
de ouvir uma história sobre uma
visita da grande diva Maria Callas
a um médico de Paris que receitava ovos de tênia a quem desejasse
perder peso. Callas perdeu peso,
perdeu parte da voz e ainda assim
fracassou em sua tentativa de se
casar com Aristoteles Onassis,
que estava mais interessado em
um tipo diferente de imagem.
Imagem é um mito perigoso.
Você não consegue um companheiro para toda a vida (não, ao
menos, um que valha a pena) se
sujeitando à fome, não enriquece
com isso a não ser que seja médico de dietas ou supermodelo e
certamente não se ama mais do
que antes.
O que você conseguirá, quase
certamente, é osteoporose e problemas intestinais e, como os antigos gregos ou a Alemanha de
Hitler, um fanatismo bastante desagradável.
"Banting", um nome que se dava à prática de dietas no passado
(em memória de William Banting, especialista em dietas e papa-defuntos que era o dr. Atkins
britânico do século 19), é uma atividade especialmente popular em
momentos de prosperidade e lazer. Mas a maior parte dos velhos
retratos mostra a classe alta, os
grandes comerciantes, como pessoas bem alimentadas em um
mundo no qual os pobres eram
subnutridos e magérrimos.
Excesso de peso costumava ser
um símbolo de status, e continua
a sê-lo nos países onde os pobres
são subnutridos.
No mundo "civilizado" moderno, onde os pobres sobrevivem
sob uma dieta de gorduras saturadas, ser esbelto é que é o símbolo
de status.
Cinismo
Dietas representam muito dinheiro, como descobriu o dr. Atkins. Mas, embora ele tivesse algumas qualificações para sustentar suas teorias, há quem seja
muito mais cínico, como a atriz de
Hollywood cujo programa de dietas e exercícios prometia um corpo como o dela, mesmo que o dela tenha sido criado por cirurgia
plástica. Outro autor cínico de livros de dieta simplesmente empresta seu nome a obras escritas
por uma mulher cujo porte me faz
parecer Twiggy.
O legado das magérrimas modelos "heroin chic" e dos gurus de
dieta tratados como celebridade
que temos hoje é a anorexia, uma
doença que mata mais que as drogas de emagrecimento.
Quando eu estava em tratamento, meu grupo de terapia incluía
alcoólatras, drogados e pessoas
com distúrbio de alimentação.
Dezesseis anos mais tarde, todos
os que sofriam de anorexia e bulimia no grupo, exceto um, estão
mortos. A doença mata.
Fome auto-induzida não é novidade. A mãe de Bonnie Prince
Charlie, um aspirante ao trono inglês no século 18, era anoréxica, e
há outros casos registrados na
história, mas não com a frequência que vemos hoje. Esse é o lado
sombrio e destrutivo das dietas.
Lembro-me de uma moça, que já
morreu, pesando menos de 42
quilos, naquela altura, e me dizendo: "Você não é gorda, eu sou".
Hoje, as crianças percebem a
obsessão dos seus pais e amigos
com a manutenção do peso; a mídia as força a engolir essa bobagem, e elas, como costumam fazer
as crianças, formam uma percepção fatal.
De certas maneiras, talvez, o dr.
Atkins pode ter salvado muitas vidas ou seus problemas surgiram
no momento certo. A popularidade de "Two Fat Ladies" (Duas Senhoras Gordas), nosso programa
de culinária na televisão, e de nossos livros de receitas pode apontar para uma era em que as pessoas se preocupem mais com o
seu bem-estar interno do que
com sua imagem externa.
Enquanto isso, o "esclarecido"
governo britânico que vendeu os
parques infantis em que nossas
crianças brincavam e desencorajou os esportes competitivos, quer
nos colocar em campos de concentração para gordos.
Instar as pessoas a comer salada
e sustentar, ao mesmo tempo, que
uma batata não é um legume, por
medo de que ela cause ganho de
peso, lembra-me de um sujeito
que queria proibir a caça à raposa,
era vegetariano e acreditava em
selecionar a perfeita raça dominante.
Fico por aqui, e parto para o
meu café da manhã perfeito, com
presunto de Natal e ovos fritos,
nada disso comprado em supermercado. Se o dr. Atkins tivesse
persistido na cardiologia, minha
vida talvez não mudasse, mas é
possível que, em última análise, o
espelho que ele ofereceu a todos
nos faça mudar um pouco de atitude, por demonstrar o quanto
podemos ser tolos.
Feliz Ano Novo. Não incluam
dieta em suas resoluções de Ano
Novo e aprendam a se amar como
são, mesmo gordos.
A autora, ex-advogada, é dirigente da
Universidade de Aberdeen e, com Jennifer Patterson, que já morreu, era responsável por "Two Fat Ladies", uma série de
programas de culinária na televisão e
uma coleção de livros de receitas
Artigo publicado originalmente no jornal
"Financial Times"
Tradução de Paulo Migliaccio
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