São Paulo, domingo, 11 de dezembro de 2005

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Sem proteção, trabalhadores têm de cuidar dos fornos dia e noite

DA AGÊNCIA FOLHA, NO PANTANAL

"O que tenho não passa de uma camisa e de uma calça", diz o carbonizador José Xavier de Andrade, 54. "Ganho R$ 4,50 por metro cúbico [de carvão produzido]", afirma Antônio dos Santos, 25, que exerce a mesma função.
"Não dá nada, não sei", afirma Santos, sem responder quanto, afinal, ganha por mês. Exatamente o que Santos tem de idade, Andrade diz ter de profissão.
Os dois trabalham sem registro em carteira em duas carvoarias do Pantanal e são o exemplo da precariedade que enfrenta a maioria dos trabalhadores carvoeiros.
Um carbonizador, durante a queima da madeira, cuida dia e noite dos fornos. Feitos de tijolos retangulares de barro, cada um tem 2,60 m de diâmetro e pouco mais dois metros de altura.
Enquanto a madeira queima dentro do forno, o carbonizador vai tapando, de cima para baixo, os pequenos orifícios abertos entre os tijolos de barro. Fechada a última abertura, o forno deixa de receber oxigênio. O fogo acaba. O processo dura cerca de 30 horas.
Andrade e Santos entram nos fornos sem qualquer tipo de proteção. Mais prudente, Santos ainda usa uma máscara cirúrgica.
Cada forno produz de 4 a 5 m3 de carvão, o que daria um ganho de até R$ 22,5 para o carbonizador por unidade. Só que eles precisam pagar ajudantes, comida e combustível.
A produção envolve outros profissionais. Tem o enchedor (ganho máximo de R$ 7 para colocar madeira dentro do forno). Há o descarregador, que, depois da queima, entra na fornalha para tirar o carvão (R$ 6 por serviço).
Existem ainda os carregadores, que lançam nos caminhões os sacos de carvão carregados na cabeça. Junto deles está o tecedor, que amarra até 800 sacas na carreta (R$ 50 a 60 por carga). Feito tudo isso, o carvão vai às siderúrgicas para fabricação do ferro gusa.
Graças ao carvão, o minério de ferro passou a ser fundido a partir de 1444, no fim da idade média. Nos fornos siderúrgicos, o carvão retira o oxigênio do minério, o qual se transforma em ferro gusa (líquido). O que sobra (calcário, sílica) é chamado de escória.
Na noite de quarta-feira, no meio do Pantanal de Miranda (205 km de Campo Grande), os irmãos Eliezer, 41, e Elias Francisco, 50, contam que foram tocar uma carvoaria com 26 fornos, mas encontraram 14, dos quais quatro ruíram. Desempregados, eles fizeram duas queimas de madeira com o que tinham.
"O que vamos ganhar só vai dar para pagar a compra [de alimentos, no valor de R$ 360] que fizemos na cidade [a 40 km] antes de vir para cá", conta Eliezer.
A reportagem encontrou em Corumbá a carvoaria Black. Lá, os trabalhadores usam capacetes, óculos, avental e botas. "Aqui tudo é certo", afirma o carbonizador Itonilço Pereira Alencar, 36.
No refeitório, um grupo de trabalhadores diz que o registro em carteira é só de fachada. "Se não produzir, não ganha", relata um ajudante. O dono da Black, Marcos Brito, não foi localizado. (HC)


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