São Paulo, segunda-feira, 12 de janeiro de 2004

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Intelectuais ligados ao PT criticam influência do Banco Mundial e propõem a Lula autonomia das universidades

Grupo de Chaui quer alternativa à reforma

RAFAEL CARIELLO
DA REPORTAGEM LOCAL

Uma proposta de reforma universitária declaradamente contrária às teses do Banco Mundial -que orientam as visões do Ministério da Fazenda sobre o assunto- e ao modo como o próprio governo Luiz Inácio Lula da Silva tem debatido a questão até aqui chegará às mãos do presidente no início de fevereiro.
Proporá autonomia quase total para cada universidade, com menor poder de decisão e orientação sobre o ensino e a pesquisa nas mãos do Ministério da Educação e das agências de fomento de pesquisa, como "única maneira de resgatar o poder acadêmico" das instituições, atualmente em crise.
Quem afirma -e faz o diagnóstico- é a professora de filosofia da USP Marilena Chaui, uma das responsáveis pela redação do texto da proposta, que vem sendo debatida por cerca de 20 intelectuais (muitos deles petistas) ligados ao Fórum de Políticas Públicas, sediado no Instituto de Estudos Avançados da USP.
O conjunto de medidas que formam o cerne do plano de reforma já está definido e, segundo Chaui, representa uma "mudança de assunto" para além dos "slogans" genéricos de "mais verba, mais docentes, mais vagas", de um lado, e às propostas governistas de redistribuição de recursos da Educação, de outro.
"Uma das coisas que é dita com muita frequência, sobretudo pelo atual ministro [da Educação, Cristovam Buarque], mas era dito também pelo anterior [Paulo Renato Souza], é que as universidades públicas federais absorvem um orçamento excessivo, que prejudica as outras áreas da educação", diz Chaui, ex-secretária de Cultura da Prefeitura de São Paulo na gestão Luiza Erundina (89-92, então no PT) e uma das principais intelectuais petistas, que, no ano passado, junto com outros colegas, participou de encontros com o presidente e ministros.
Além das demandas amplas demais de representantes de professores e estudantes, o principal responsável pelo debate que considera equivocado, no entanto, é outro ministério, o da Fazenda. "Eles se inspiram nesse malfadado relatório do Banco Mundial, que foi o que inspirou a política do Paulo Renato. É o objeto profundo da nossa crítica. Esse relatório enfatiza a privatização."
Em novembro passado, a equipe do ministro Antonio Palocci Filho divulgou documento em que afirma considerar mal gasto o dinheiro aplicado nas universidades, argumentando que quase metade das verbas destinadas ao setor financiam alunos que estão entre os 10% mais ricos.
Segundo o diagnóstico dos integrantes do Fórum de Políticas Públicas, o mal gasto de recursos na universidade e a depreciação de sua produção técnica e intelectual devem-se na verdade à autonomia mínima que as instituições têm. O grupo foi criado em dezembro de 2002, com a presença de Palocci, ainda no período de transição de governo.
Segundo Ricardo Musse, do departamento de sociologia da USP, que participa das reuniões, o objetivo era fazer uma ponte entre a academia e o governo federal. A função foi cumprida durante o debate sobre o modelo de TV digital para o país, em que o grupo subsidiou o governo com propostas saídas de debates internos.
Para o projeto de reforma universitária, defendem, segundo Chaui, que os recursos das agências de pesquisa -como Capes (Coordenação de Aperfeiçoamento de Pessoal de Nível Superior) e CNPq (Conselho Nacional de Desenvolvimento Científico e Tecnológico)- passem gradualmente para as mãos das universidades públicas.
Chaui afirma que hoje são "as agências que determinam prazos e prioridades", a partir "de critérios de fluxo de caixa e do que interessa ao mercado", o que seria um dos motivos da crise da universidade e de sua "perda de iniciativa com relação à pesquisa".
Aos poucos, segundo o projeto, todo o financiamento, eleição, condução e avaliação de pesquisas seria feito independentemente por cada instituição.
Com relação ao ensino, o grupo considera que se deve retirar grande parte do poder de definição das grades curriculares das mãos do MEC, passando-o a cada universidade, que definiria também seu próprio sistema de valorização das disciplinas, a duração dos cursos e a forma de recuperação de estudantes não aprovados nas disciplinas.
As universidades criariam "fóruns públicos" internos que discutiriam e aprovariam seus "planos de atuação", com prioridades de ensino e pesquisa, projetos e metas a serem fiscalizados pelo governo.
É proposto ainda o aumento do número de professores e de vagas nas universidades, além de melhor remuneração para funcionários em geral. E também que cada universidade seja autônoma para decidir sobre a adoção de cotas para minorias.
O grupo não definiu propostas sobre formas alternativas de financiamento para as universidades, como contribuições de ex-alunos ou mensalidades para os de maior poder aquisitivo. Segundo Chaui, é preciso discutir antes propostas específicas para recuperar a capacidade intelectual e acadêmica das universidades para só depois entrar no debate específico sobre recursos.



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