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MOACYR SCLIAR
Amor & raquetes
China proíbe namoro entre atletas.
A rigorosa disciplina chinesa nos
treinamentos causou um baque na
seleção de tênis de mesa que vai à
Olimpíada de Atenas. Quatro atletas
perderam suas vagas no grupo. Motivo: envolvimento amoroso com colegas. "Este é um ano olímpico e nós
vamos enfrentar muitos desafios.
Não podemos tolerar nada que possa
prejudicar o time", disse o coordenador da equipe.
Folha Online, 6.jan.2004
Quando os jovens namorados souberam da expulsão de seus colegas de seleção, ficaram consternados e apavorados. Por enquanto, o namoro entre ambos era secreto, desconhecido até mesmo dos amigos mais
íntimos. Mas, e se o coordenador
da equipe descobrisse? Homem
implacável, firme na sua crença
de que o sexo representava um
desperdício da energia necessária
para a prática esportiva, dele não
poderiam esperar qualquer tipo
de simpatia.
Decidiram, de imediato, que o
tratamento entre ambos seria
agora distante, convencional. Nada de manifestações de carinho.
Nada de ternas palavrinhas. Nada de suspiros.
Mas, ao mesmo tempo, sentiam
que precisavam de uma forma de
comunicação, algo que lhes permitisse reafirmar constantemente
que sim, que se amavam, que não
poderiam viver um sem o outro.
Como fazê-lo? Como transmitir
as mensagens da paixão? Por escrito? Perigoso: no momento em
que trocassem bilhetinhos, poderiam ser descobertos, e o coordenador teria a prova material necessária para eliminá-los. Pelo
olhar, talvez? Também não seria
uma coisa isenta de riscos. Se se fitassem de maneira intensa, prolongada, despertariam suspeitas.
Não. Bilhetes não, olhar não. Precisavam de uma outra forma de
comunicação que passasse despercebida.
E aí a moça teve uma idéia. Havia algo que estava constantemente com eles e que, por causa
disso, não chamaria a atenção: a
raquete. Seria o instrumento que
usariam para a comunicação, da
mesma maneira que, no passado,
os marinheiros dos navios recorriam a bandeiras para sinalização. Em apenas uma noite criaram uma espécie de léxico da raquete. Raquete junto ao coração:
te amo, meu amor por ti é cada
vez maior. Raquete junto à
cabeça: jamais te esqueço. E assim
por diante.
O único temor deles é que o
coordenador, em algum treinamento, os coloque como adversários, um em cada extremo da mesa. Nesse momento, as raquetes já
não poderão sinalizar a paixão;
voltarão à sua finalidade original: instrumentos de um renhido
combate (esportivo, mas combate) golpearão a bolinha com habilidade -e com fúria. Mas já combinaram: vença quem vencer,
ambos colocarão as raquetes sobre o coração. Esperam assim que
o amor sobreviva à disputa.
Afinal, a disputa é transitória,
mas o amor, segundo numerosos
poetas, é eterno.
Moacyr Scliar escreve às segundas-feiras, nesta coluna, um texto de ficção baseado em matérias publicadas no jornal.
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