São Paulo, terça-feira, 12 de janeiro de 2010

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CECILIA GIANNETTI

Rápido, mas não muito


Uma rolha de champanhe explodiu na direção da sua testa há apenas 12 dias; será que podemos tapear o tempo?


ENTÃO , um dia, finalmente chegamos aqui. Você estava lá no seu canto, com uma rotina mais ou menos repetitiva, ou mesmo totalmente caótica -ainda que dentro de sua normatizada repetição- e então, de repente, BANG!, 2010. Dois Mil e Dez. Grandioso, redondo, insondável, sedutor. O um e o zero no final de uma década, um marco no início de um século.
Afinal, dentro do que vimos nesses dez anos, nós já deveríamos ter uma vaga noção do que "seremos" para o século adiante. Supostamente. Como vamos ser vistos por "eles", nossos netos, bisnetos. Como seremos lembrados pelos jornalistas-fazedores-de-listas-de-melhores-coisas-do-século. Por mais que isso pareça apressado hoje, há uma coisa certeira nessa ânsia: somos -hoje- apressadinhos. E o tempo é um implacável corredor.
Uma rolha de champanhe explodiu na direção da sua testa, e BANG!, 2010 -é basicamente isso que rolou há apenas 12 dias. E um mar de listas de melhores filmes, melhores discos, maiores tragédias e momentos mais "mais ou menos" de uma década foi publicado por aí, para desespero de quem tentou acompanhar a velocidade com que tudo ocorreu, foi produzido, consumido e compreendido (Foi mesmo compreendido?).
Há a possibilidade de que o tempo passe a fazer um jogging bem de leve, em vez de ganhar medalhas de ouro feito um nigeriano on dope? Nah. Já estamos em processo de aceleração irreversível há muitos decênios. Podemos tapear o tempo? Negociar, talvez. Allegro, ma non troppo.
Se ele vai de trem-bala, tomemos a calçada em calmas passadas, brincando com as sombras de amendoeiras e predinhos. Ou experimentamos saborear o jornal que pegamos no jornaleiro (pagando ao homem pelo maço de papel, de preferência) ou recebemos em casa, tomando café da manhã com a dose bem medida de indignação que um leitor de jornal se permite, antes de partir para o trabalho ou faculdade.
Levamos na bolsa um livro, que nos fará companhia por todo o trajeto do ônibus ou metrô (favor não ler caso esteja dirigindo, apesar de o trânsito em São Paulo muitas vezes oferecer ao motorista a oportunidade de finalizar capítulos inteiros enquanto espera a fila andar).
Olhemos agora, logo aqui à frente, um botequim tranquilo. Sente-se nele. Eu me sento contigo. Vamos ler cada entrelinha de cada fato noticiado, fatiado, e pensar sobre cada coisinha ocorrida; sacar de um bloco e cruzar ideias em cima do papel em branco, ideias sobre como chegamos até este noticiário que espicaçamos e digerimos. Já estamos em 2010, é preciso descobrir como chegamos até aqui!
Decisões de Ano Novo? Muita gente as tem, quem as mantém? Promessas que gostaríamos de cumprir.
Eu, por exemplo, a curto prazo, gostaria de evitar ir ao cinema quando a fita envolver gente azul com mais de dois metros de altura e uma história tosquinha. De me animar com produções que podem conseguir entrar na lista de melhores DVDs da coleção (a serem substituídos, claro, por Blu-ray na década a seguir ou tão bem antes). Ler os livros que pretendia deixar pra depois da aposentadoria. Ir à praia e sugar proveito de cada momento sob o sol que derrete o planeta, antes que nos varra um tsunami de qualquer coisa política ou aquática terrível.
Todo o imenso mundo no mesmo barco furado. Ou no meio do oceano, sem salva-vidas. Conforme você preferir imaginar tal desatino.
Acenar para o tempo que corre sem trilhos quando ele passar por nós. Deixemos que o tempo nos olhe e veja somente borrões entre fachos de luz viajantes.

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