São Paulo, quarta-feira, 12 de setembro de 2007

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Carta de líder comunitário revela que ele pediu ajuda antes de desaparecer

SERGIO TORRES
DA SUCURSAL DO RIO

Antes de desaparecer, o ex-presidente da Associação de Moradores da favela Kelson's, no bairro da Penha, zona norte do Rio, Jorge da Silva Siqueira Neto, 34, expulso da comunidade por uma milícia, pediu ajuda a instituições policiais e políticas e ao Ministério Público. Ele dizia estar sendo ameaçado de morte. Nada de concreto, porém, foi feito para ajudá-lo.
A polícia do Rio investiga a denúncia de que Siqueira Neto foi capturado e, supostamente, assassinado.
Carta escrita pelo líder comunitário dois meses antes de desaparecer relata a atuação da milícia na Kelson's, as ameaças, sua expulsão da favela e a busca infrutífera de apoio. O documento foi obtido pela Folha.
Siqueira Neto desapareceu na sexta-feira da semana passada. Parentes e testemunhas ouvidas pela Polícia Civil disseram que ele foi baleado por ao menos cinco homens e colocado em um carro, no subúrbio de Rocha Miranda,que também fica na zona norte.
A polícia suspeita que um corpo mutilado e carbonizado achado no fim de semana em Campo Grande (zona oeste) seja o de Siqueira Neto. Houve até um reconhecimento informal pela mulher dele, mas a polícia espera pelo resultado do DNA. Ontem, os pais do líder comunitário colheram material para a realização do exame.
Na carta, Siqueira Neto afirmou que pediu ajuda às seguintes instituições desde que foi expulso da favela, em abril: Comissão de Direitos Humanos da Assembléia Legislativa, Corregedoria Interna da PM (Polícia Militar), Corregedoria Geral Unificada das Polícias, Secretaria Estadual de Segurança Pública, Ministério Público do Estado, 1ª Delegacia Judiciária da PM,16º BPM (Batalhão de Polícia Militar) e 22ª DP (Delegacia de Polícia).
"Um grupo de extermínio composto por cinco policiais militares invadiu, com seus colaboradores, a comunidade, e desde então vivemos uma verdadeira ditadura. Nesses quase nove meses de ocupação, (...) tenho contabilizado cerca de 200 mortos", escreveu ele.
Com base no depoimento de Siqueira Neto à Corregedoria Geral Unificada da Secretaria de Segurança, foi aberto na Draco (Delegacia de Repressão às Ações Criminosas Organizadas) um inquérito sobre a milícia. No depoimento, o líder comunitário deu os nomes dos cinco PMs que acusava. Três deles foram presos administrativamente no fim de agosto, mas deixaram a prisão no dia 3. Quatro dias depois, Siqueira Neto desapareceu. Ontem, dois dos cabos da PM acusados de chefiar a milícia foram presos.
Pai de seis filhos, o ex-presidente da associação passou a viver de favor, pois os milicianos tomaram seu trailer de sanduíches e o depósito de gás que a família dele mantinha na favela havia cerca de 30 anos. Para se esconder, dormia a cada dia em um local diferente.
Ele não tinha dinheiro nem para comer. Nos últimos meses, líderes comunitários de outras favelas lhe davam cestas básicas. Com a prisão dos PMs que acusava, Siqueira Neto se expôs mais. Amigos contam que ele parecia ter recobrado a confiança nas autoridades.


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