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São Paulo, domingo, 12 de outubro de 2003

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VIDA SECA

Cultura de uso de água é que deve mudar, desde que acompanhada da recuperação e conservação de mananciais

Obras são paliativo, dizem especialistas

DA REPORTAGEM LOCAL

Se a forma de usar a água não mudar, obras caras e de grande impacto ambiental serão sempre paliativos de um sistema insustentável. Recuperar e conservar mananciais, investir em reúso e em políticas para reduzir consumo e perdas são fundamentais para garantir o abastecimento. É essa a opinião de ambientalistas e especialistas ouvidos pela Folha.
As obras são necessárias, afirma Mário Thadeu Lemes de Barros, professor do Departamento de Engenharia Hidráulica e Sanitária da Poli/USP, mas faltam gestão e planejamento. "A Sabesp tem uma visão equivocada do problema da água, e os comitês de bacia funcionam muito timidamente."
Ele defende a cobrança da água para racionalizar o consumo. O projeto de lei estadual que a institui está há cinco anos no Legislativo e ainda não foi votado.
Já Samuel Barreto, do WWF Brasil (braço nacional do Fundo Mundial para a Vida Selvagem) ressalta que "controlar invasões e preservar os mananciais é muito mais importante do que qualquer paliativo" e cita os resultados de um estudo da ONG nas 105 maiores cidades do mundo sobre as relações entre conservação de florestas e produção de água. "Em Nova York, foi gasto R$ 1 bilhão para proteger uma área verde. Sem a proteção, para tratar a água, seriam gastos R$ 8 bilhões."
"Em Guarapiranga existe apenas um fiscal para controlar a ocupação irregular. O largo de Santo Amaro [zona sul de SP], está cheio de imobiliárias que vendem terrenos na área protegida. Na Billings é a mesma coisa", diz Mário Mantovani, diretor da Fundação SOS Mata Atlântica. Ele é um dos que defendem o uso da Billings para abastecimento, em vez da geração de energia.
A opção é rechaçada, porém, por Ivanildo Hespanhol do Departamento de Engenharia Hidráulica e Sanitária da Poli/USP. Segundo ele, isso demandaria elevados investimentos, inclusive em tratamento da água para torná-la "verdadeiramente potável".
Para Hespanhol, a Sabesp já devia ter viabilizado novos mananciais, e o aumento anual de 2.000 litros por segundo na produção é insuficiente para reduzir os riscos do sistema de abastecimento.
Stela Goldenstein, ex-secretária municipal do Verde e do Meio Ambiente e consultora em gestão ambiental, também diz acreditar que trazer água de outros mananciais já seja necessário. "Mas não dá para deixar de contar com a racionalização do uso e a proteção dos mananciais", afirma.
Para ela, é preciso passar a usar água como quem, de fato, dispõe de pouca. Isso inclui mudanças culturais, de equipamentos, de tecnologia e adoção do reúso.

Recuperação e flotação
Para adiar a busca de novas fontes de água, a Sabesp diz apostar na recuperação de mananciais e na flotação do rio Pinheiros.
Em 2005, deve sair do papel o projeto Mananciais, que terá seu foco nas represas Guarapiranga e Billings, mas deverá investir cerca de US$ 330 milhões, em cinco anos, para fazer urbanização de favelas, tratamento de córregos que deságuam nos reservatórios e implantar saneamento em todas as bacias da Grande São Paulo.
O programa é uma parceria entre o Estado e as cidades que ficam nas margens dos mananciais. Os recursos virão do Banco Mundial.
No caso da flotação, se ela fosse aprovada e funcionasse como o esperado, a represa Billings poderia até triplicar sua contribuição ao abastecimento de água, diz Antonio Marsiglia, da Sabesp. Essa alternativa, porém, deixa os ambientalistas assustados.
O início do processo está proibido por decisão judicial. O Estado já recorreu duas vezes, e perdeu.
A flotação prevê a limpeza das águas do Pinheiros pela formação e retirada de flocos de poluição, mas especialistas dizem que ela é só um tratamento estético.
Sobre arranjos institucionais pró-economia, a Sabesp diz fazer o que pode, mas que caberia também a outras instâncias do poder público elaborar normas como as que, na Cidade do México e nos EUA, forçaram a troca de bacias sanitárias pelas que gastam seis litros, em vez de nove.
"A falta de políticas públicas é tanta que corremos o risco de um empreendimento como a flotação ser liberada sem sabermos seus impactos ambientais e de acabarmos bebendo a água do rio Pinheiros", diz Marussia Whately.
(MARIANA VIVEIROS E SIMONE IWASSO)


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