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Hospital de referência para mulher atende mais crianças
Dos 1.907 casos atendidos no Pérola Byington, 1.427 eram de jovens e 480 de adultos
Referência no tratamento de mulheres vítimas de violência sexual, hospital em SP fez metade dos abortos legais registrados no país neste ano
LAURA CAPRIGLIONE
DA REPORTAGEM LOCAL
TALITA BEDINELLI
COLABORAÇÃO PARA A FOLHA
Os 11 médicos, assistentes sociais e psicólogos estão reunidos com solenidade no quarto
andar do hospital Pérola Byington (região central de São Paulo). Vão decidir se aprovam ou
não o pedido de interrupção de
gravidez, feito por uma jovem
estuprada.
O médico Jefferson Drezett,
47, coordenador do Serviço de
Atenção Integral à Mulher em
Situação de Violência Sexual,
solicita a uma ginecologista que
relate o caso. Maria [o nome é
fictício] foi atacada em um estacionamento. O agressor deixou seu sêmen e mais o vírus
HPV, que causou o brotamento
de verrugas dolorosas na região
genital da jovem. A ultra-sonografia atribui ao feto idade gestacional de dez semanas. É
compatível com a data em que a
vítima alega ter sido violentada.
Uma psicóloga confirma o
trauma sofrido. A assistente social relata a entrevista feita com
Maria, 23, moça tímida, católica, moradora na periferia, que
até hoje não juntou coragem
para contar a ninguém -exceção feita ao serviço do Pérola
Byington- o que lhe aconteceu
naquele estacionamento.
Ela só chegou lá, hospital especializado em saúde da mulher, por causa das verrugas e
de uma indisposição geral. Logo depois do estupro, foi para
casa, tomou um banho. Não foi
à polícia. No Pérola, acabou
contando tudo. Ela não quer o
filho. Tem medo de que se pareça -física ou moralmente-
com o homem que a estuprou.
Quer esquecer a violência.
Conferida a consistência da
história contada pela jovem, lidos os relatórios, confrontados
os exames médicos, os presentes decidem: interromperão
aquela gestação (o Código Penal autoriza a intervenção em
caso de estupro ou risco de
morte para a gestante). Aproveitarão a anestesia para cauterizar as verrugas.
Drezett quer o máximo empenho da psicóloga para que a
jovem siga em tratamento -ela
tem de lidar com o trauma.
Há 15 anos, o serviço de violência do hospital Pérola
Byington é uma ilha de excelência no acolhimento e tratamento de vítimas de violência
sexual. Funciona 24 horas por
dia, todos os dias do ano.
E não só para mulheres. Por
falta de serviços semelhantes,
dos 1.907 casos atendidos no
Pérola de janeiro até outubro
deste ano, 898 (47% do total)
eram crianças até 11 anos, inclusive meninos. Adolescentes
de 12 a 17 anos constituíram um
total de 529 casos. Os 480 restantes foram de adultos.
A empregada doméstica Pilar
[o nome é fictício], 27, entrou
na sala da assistente social com
a filha de um ano no colo.
A menina chora o tempo todo. Está nervosa, irritada. Mãe
e filha foram enviadas ao Pérola por um conselheiro tutelar
de Itapevi, município da Grande São Paulo. A região vaginal
da garotinha está "em carne viva", diz a mãe.
O médico do posto de saúde
de Itapevi "nem quis olhar", ela
conta. "Mandou nós para a delegacia." O delegado chamou o
conselheiro, que deu o dinheiro
do trem e despachou a mãe para o Pérola, único hospital do tipo com uma unidade do Instituto Médico Legal focada em
sexologia forense.
O resultado do IML demora
30 dias para sair. É no Pérola
que a filha de Pilar recebe encaminhamentos: para uma creche (a babá da menina é suspeita de ser a agressora, segundo a
polícia) e para um pediatra, para enfim ser tratada.
Segundo Drezett, 2008 deverá ser o ano recordista de atendimentos de crianças vítimas
de violência sexual. "Não é que
estejamos vivendo uma epidemia de pedofilia. É que o problema está sendo tratado de
maneira mais aberta, há mais
visibilidade", diz.
Ontem, a equipe provocou o
abortamento na moça cujo caso foi contado no início deste
texto. Foi o 57º deste ano (a
metade de todos os abortos feitos legalmente no Brasil). No
térreo, Jéssica [nome fictício],
estuprada quando ia trabalhar,
recebia um coquetel de drogas
anti-HIV e contra doenças sexualmente transmissíveis,
além da pílula do dia seguinte,
para evitar que engravide.
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