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DANUZA LEÃO
É bom se sentir em casa
Vou tomar um vinho branco; uma garrafa inteira, paranão pensar em nada; sónos prazeres do paladar
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É BOM ESTAR só em Paris -se é
que alguém está realmente só
em alguma cidade do mundo.
E nessa noite fui fazer uma extravagância pensando que, afinal, eu mereço: jantar num restaurante caríssimo, só de coisas do mar.
Telefonei, reservei e fiquei pensando no que vou comer. Ah, tudo.
Para começar, meia dúzia de ostras, mas quais? Existem várias qualidades, cada uma com um nome, e
cada uma com pelo menos três tamanhos: começam os problemas.
Conheço quase todos os tipos de
ostra (de vista), mas não guardei o
nome de família, o que é uma falha
grave. Ah, depois eu penso. Chego na
hora marcada, sou levada à mesa por
um maître de opereta e chamada de
madame umas 15 vezes, antes de me
sentar à mesa. "Bon soir, madame,
vous êtes seule, madame, par ici,
madame". Depois, mais umas 30:
"Que désirez vous boire, madame?
Vous voulez un aperitif, madame,
ou préferez choisir tout de suite,
madame?".
Vou tomar um vinho branco; uma
garrafa inteira, para não pensar em
nada; só nos prazeres do paladar.
Mas na hora de escolher o vinho começa; ah, se estivesse com um homem do lado. A escolha de uma mulher, no quesito vinhos, é sempre
posta em questão. Estou sozinha
num restaurante chiquérrimo de
Paris, com três cartões de crédito na
carteira e morta de medo do maître
e dos garçons -tem sentido?
Se escolher o mais caro, posso
ser considerada uma nova rica; se
pedir o mais barato, uma pobrezinha, e se pedir o mais ou menos, pior
ainda: vão pensar que sou uma mais
ou menos.
Mas quem vai pensar? O garçom,
que deve morar num quarto sem
conforto num subúrbio de Paris?
O maître, que deve ser cheio de
problemas? E o mais importante:
cada um deles deve servir a 100,
200 pessoas por dia, muitas pedindo
vinhos errados, pratos errados,
queijos errados. Resolvo ser humilde e peço uma sugestão, que é dada
com uma certa arrogância -pelo
menos segundo minha ótica subdesenvolvida.
É preciso ter coragem; não conheço as ostras pelo nome, só olhando,
por isso vou na sorte, e tomara que
acerte -mas não acerto. Quando
elas chegam, vejo que escolhi errado, mas nem pensar em devolver ou
trocar. Mas no segundo prato fico feliz: como sei distinguir uma lagosta
de um homard, me dou bem.
E a sobremesa? Adoraria pedir um
queijo, mas estou tomando vinho
branco. Será que vão deixar?
Deixar é bem a palavra. Me sinto
uma criança que, se errar, vai levar
um castigo. E de que adiantaram
tantas viagens, tanta experiência de
vida, se morro de medo de um garçom? Não faz o menor sentido, mas
desde quando as coisas precisam fazer sentido para existirem? Desisto
do queijo e peço a conta, muito mais
alta do que poderia imaginar.
Para quem havia planejado passar
duas horas sem pensar em nada,
sem um só problema, um só pensamento -bem, foi uma noite intensa,
para não dizer tensa. Tensa e cara.
Pego um táxi e vou para o hotel, para
relaxar.
Percebo que começo a me sentir
feliz porque estou perto de casa -isto é, do hotel. E resolvo entrar num
café onde já me conhecem e peço,
contra todas as regras, um Ricard,
sabendo que mesmo sendo essa
uma bebida que só se bebe antes do
jantar, no verão, e de preferência
perto do mar, ninguém vai me olhar
atravessado.
Mas quando vou acender o cigarro, aquele que me dá toda a segurança do mundo, lembro que é proibido
fumar; como a temperatura baixou
para dois graus negativos, uma mesa
na calçada está fora de questão.
Que noite; ainda bem que trouxe
um comprimido para dormir.
danuza.leao@uol.com.br
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