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1 ano depois, sobreviventes lembram tragédia do metrô
Eles contam como conseguiram escapar do buraco que se abriu em Pinheiros
Após ver colega de trabalho desaparecer na cratera, funcionário desenvolveu síndrome do pânico e não consegue voltar a trabalhar
ROGÉRIO PAGNAN
DA REPORTAGEM LOCAL
São Paulo, sexta-feira, 12 de
janeiro de 2007.
O manobrista Israel Domiciano, 26, deixava mais cedo o
trabalho por causa de um compromisso que protelava havia
anos: voltar à cadeira do dentista. Ele seguia pela rua Capri
sem perceber a presença do
promotor de vendas Sebastião
Alves Feitosa Filho, 26, que caminhava de mão dada com a
mulher, Kátia Priscila Nogueira, 20, feliz com a nova assinatura na carteira de trabalho.
Separado da rua por um tapume do Consórcio Via Amarela, o motorista José Arimatéia
da Silva, 52, trabalhava com o
caminhão nas obras da linha 4-Amarela do Metrô, em Pinheiros (zona oeste). Esperava acabar seu turno.
Nenhum dos quatro se conhecia, mas suas histórias se
convergiram às 14h54min06
daquele dia, quando uma cratera se abriu e engoliu veículos e
pessoas. Sete pessoas morreram. Essas quatro conseguiram
escapar, mas por pouco.
Segundos
Mesmo dirigindo os carros
dos funcionários da Editora
Abril o dia todo, Domiciano iria
para o dentista de lotação.
Quando chegou à rua Capri, viu
o veículo que pretendia tomar
subindo pela rua. "Assoviei, gritei, mas o motorista não ouviu.
Corri atrás, mas ele não parou."
O guindaste girando, ameaçando cair, roubou-lhe a atenção.
"Foi Deus. Se ele pára, ou eles
tinham se salvado, ou eu teria
caído com eles no buraco. Foi
questão de segundos."
Segundos também foi o tempo levado pelo casal Sebastião e
Kátia para ultrapassar a aposentada Abigail Rossi de Azevedo, 75, que também seguia pela
rua Capri. "Ela estava na nossa
frente e, como andava bem devagar, passamos por ela. Saímos da calçada e fomos pelo
cantinho da rua", afirmou ele.
Era a primeira vez que o casal, morador de Barueri, visitava a região. Como a sede da empresa fica na rua dos Pinheiros,
870, não havia outra opção para
pegar o trem. "Não escutei barulho nenhum. Só o chão tremer e aquela fumaça. Só percebemos que era algo grave quando vimos os funcionários da
obra pulando o tapume. Nós
corremos também", afirmou.
O colega que daria carona ao
motorista José Arimatéia era
Francisco Sabino Torres, 47, o
Barnabé. Ambos estavam do lado de fora de seus caminhões
esperando ordem superior para voltar ao trabalho. A suspensão ocorreu quando surgiu a
suspeita de desabamento. "Ele
estava uns cinco metros na minha frente. Eu não estava perto
do buraco: eu caí no buraco."
José Arimatéia conseguiu escapar e pensou que o colega teria a mesma sorte. Barnabé havia ido de carro naquele dia
porque iria trocar seu Corsa
por um Celta e não queria entregar o carro com o tanque
cheio. O carro voltou para
Francisco Morato num guincho, já que as chaves estavam
na pochete dele.
Nova chance
Para o manobrista, evangélico, Deus lhe deu uma nova
chance. "Naquele dia, dez minutos antes, um colega, também evangélico, me disse: estou sentindo uma coisa estranha. Eu orei e pedi a Deus que
não acontecesse nada de ruim
para mim", disse ele.
A maior preocupação de Domiciano não era, segundo ele,
sua própria vida. Além de ter
dois filhos, sua mulher estava
grávida -assim como a mulher
do cobrador da van, Wescley
Adriano da Silva, 22. "Meu filho
tem praticamente a mesma
idade do filho dele. Isso foi o
que mais me marcou."
O vendedor Sebastião, também evangélico, diz considerar-se agraciado. "Tudo isso foi
muito bom porque reuniu ainda mais a família. Eu estava um
pouco afastado, agora voltei para a igreja", afirmou.
Liliane Cruz Pereira, 32, conta que o marido, José Arimatéia, nunca conseguiu mais voltar ao trabalho. Desenvolveu
síndrome do pânico. "Às vezes
ele corre pela casa gritando que
não pode dormir porque a terra
vai engoli-lo, que vai morrer soterrado", disse.
Perdeu um filho de 15 anos
cinco meses após o acidente.
Com problema no coração e
afastado da empresa, passou a
receber pelo INSS. "Agora, deram alta para ele, mesmo ele estando doente", afirma ela.
Sem condições de trabalhar e
sem o INSS para ajudar, a família vive das faxinas que a mulher faz e do dinheiro que parentes enviam. "O consórcio só
paga o medicamento e as consultas no psiquiatra. Não ajudam em mais nada", disse ela.
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