São Paulo, domingo, 13 de janeiro de 2008

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1 ano depois, sobreviventes lembram tragédia do metrô

Eles contam como conseguiram escapar do buraco que se abriu em Pinheiros

Após ver colega de trabalho desaparecer na cratera, funcionário desenvolveu síndrome do pânico e não consegue voltar a trabalhar

ROGÉRIO PAGNAN
DA REPORTAGEM LOCAL

São Paulo, sexta-feira, 12 de janeiro de 2007.
O manobrista Israel Domiciano, 26, deixava mais cedo o trabalho por causa de um compromisso que protelava havia anos: voltar à cadeira do dentista. Ele seguia pela rua Capri sem perceber a presença do promotor de vendas Sebastião Alves Feitosa Filho, 26, que caminhava de mão dada com a mulher, Kátia Priscila Nogueira, 20, feliz com a nova assinatura na carteira de trabalho.
Separado da rua por um tapume do Consórcio Via Amarela, o motorista José Arimatéia da Silva, 52, trabalhava com o caminhão nas obras da linha 4-Amarela do Metrô, em Pinheiros (zona oeste). Esperava acabar seu turno.
Nenhum dos quatro se conhecia, mas suas histórias se convergiram às 14h54min06 daquele dia, quando uma cratera se abriu e engoliu veículos e pessoas. Sete pessoas morreram. Essas quatro conseguiram escapar, mas por pouco.

Segundos
Mesmo dirigindo os carros dos funcionários da Editora Abril o dia todo, Domiciano iria para o dentista de lotação. Quando chegou à rua Capri, viu o veículo que pretendia tomar subindo pela rua. "Assoviei, gritei, mas o motorista não ouviu. Corri atrás, mas ele não parou." O guindaste girando, ameaçando cair, roubou-lhe a atenção. "Foi Deus. Se ele pára, ou eles tinham se salvado, ou eu teria caído com eles no buraco. Foi questão de segundos."
Segundos também foi o tempo levado pelo casal Sebastião e Kátia para ultrapassar a aposentada Abigail Rossi de Azevedo, 75, que também seguia pela rua Capri. "Ela estava na nossa frente e, como andava bem devagar, passamos por ela. Saímos da calçada e fomos pelo cantinho da rua", afirmou ele.
Era a primeira vez que o casal, morador de Barueri, visitava a região. Como a sede da empresa fica na rua dos Pinheiros, 870, não havia outra opção para pegar o trem. "Não escutei barulho nenhum. Só o chão tremer e aquela fumaça. Só percebemos que era algo grave quando vimos os funcionários da obra pulando o tapume. Nós corremos também", afirmou.
O colega que daria carona ao motorista José Arimatéia era Francisco Sabino Torres, 47, o Barnabé. Ambos estavam do lado de fora de seus caminhões esperando ordem superior para voltar ao trabalho. A suspensão ocorreu quando surgiu a suspeita de desabamento. "Ele estava uns cinco metros na minha frente. Eu não estava perto do buraco: eu caí no buraco."
José Arimatéia conseguiu escapar e pensou que o colega teria a mesma sorte. Barnabé havia ido de carro naquele dia porque iria trocar seu Corsa por um Celta e não queria entregar o carro com o tanque cheio. O carro voltou para Francisco Morato num guincho, já que as chaves estavam na pochete dele.

Nova chance
Para o manobrista, evangélico, Deus lhe deu uma nova chance. "Naquele dia, dez minutos antes, um colega, também evangélico, me disse: estou sentindo uma coisa estranha. Eu orei e pedi a Deus que não acontecesse nada de ruim para mim", disse ele.
A maior preocupação de Domiciano não era, segundo ele, sua própria vida. Além de ter dois filhos, sua mulher estava grávida -assim como a mulher do cobrador da van, Wescley Adriano da Silva, 22. "Meu filho tem praticamente a mesma idade do filho dele. Isso foi o que mais me marcou."
O vendedor Sebastião, também evangélico, diz considerar-se agraciado. "Tudo isso foi muito bom porque reuniu ainda mais a família. Eu estava um pouco afastado, agora voltei para a igreja", afirmou.
Liliane Cruz Pereira, 32, conta que o marido, José Arimatéia, nunca conseguiu mais voltar ao trabalho. Desenvolveu síndrome do pânico. "Às vezes ele corre pela casa gritando que não pode dormir porque a terra vai engoli-lo, que vai morrer soterrado", disse.
Perdeu um filho de 15 anos cinco meses após o acidente. Com problema no coração e afastado da empresa, passou a receber pelo INSS. "Agora, deram alta para ele, mesmo ele estando doente", afirma ela.
Sem condições de trabalhar e sem o INSS para ajudar, a família vive das faxinas que a mulher faz e do dinheiro que parentes enviam. "O consórcio só paga o medicamento e as consultas no psiquiatra. Não ajudam em mais nada", disse ela.


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