São Paulo, sábado, 13 de março de 2004

Texto Anterior | Próximo Texto | Índice

LETRAS JURÍDICAS

Um acordo como prenúncio de providências

WALTER CENEVIVA
COLUNISTA DA FOLHA

São justos os elogios feitos ao acordo que pôs fim à disputa que separou em campos diversos os componentes do órgão especial do TJ-SP - Tribunal de Justiça e os juízes do Tacrim - Tribunal de Alçada Criminal, ambos de São Paulo. O objeto da discórdia foi a resolução 157/03 do TJ-SP que transferiu para o Tacrim alguns milhares de processos cíveis antes atribuídos ao Primeiro Tribunal de Alçada Civil ou 1º TAC. Argumento para a transferência: o Tacrim estava com seu trabalho em dia e o 1º TAC tinha mais de 100 mil processos acumulados que aguardavam julgamento. Quando o número de processos julgados é inferior ao dos novos processos entrados, o represamento aumenta cada vez mais.
Os juízes do Tacrim, tribunal presidido pelo magistrado José Renato Nalini, não quiseram cumprir a resolução do TJ-SP, afirmando que esta era inconstitucional -no que tinham razão. Surgiu a crise que se encerrou com a colaboração da Assembléia Legislativa, que aprovou a emenda nº 17 da Constituição do Estado. As competências do Tacrim foram ampliadas, mas apenas em matéria criminal. A resolução 157/03 foi revogada conforme decisão firmada pelo desembargador Luiz Tâmbara, presidente do TJ-SP.
A crise terminou e será muito útil se inspirar seus principais personagens, Tâmbara e Nalini, bem como os presidentes dos demais tribunais e, se for o caso, a OAB-SP e o Ministério Público, a enfrentar outros problemas de que a Justiça Estadual se ressente e que devem ser superados para a satisfação de sua responsabilidade pública. Alguns desses problemas exigem mudanças legislativas e atuação do Executivo. Nem todos, porém.
A convicção dos operadores do Direito é a de que há matérias de organização racional do trabalho a serem aplicadas pelos profissionais da área, cuja contribuição só depende dos atuadores da Justiça. A contribuição é complicada pelo fato de serem poucos no setor jurídico, aí incluídos os juízes, os que são atualizados em técnicas de administração, de gestão e de simplificação do tempo das tarefas, do desenvolvimento das rotinas, de uniformidade e sistematização dos procedimentos, do uso da informática, do controle da produtividade, até de uma certa capacidade de marketing e assim por diante. A colaboração dos advogados e dos promotores será boa. O afastamento de costumes superados e da resistência burocrática enfrenta o peso de velhas tradições formais. Espera-se do Judiciário que reconheça, em providências internas, um meio de melhorar seus serviços.
O déficit da Justiça paulista exige atenção. Já atingiu níveis insuportáveis com a demora na finalização dos processos. A lentidão tem efeitos perversos que escapam ao grande público. Dou um exemplo: a Justiça de São Paulo deixou de contribuir para a orientação da jurisprudência nacional, papel que lhe cabia graças ao número de processos em andamento e à imensa variedade deles. O grande atraso nos julgamentos e na publicação de acórdãos faz com que os recursos interpostos cheguem aos tribunais superiores quando a jurisprudência já se consolidou por meio de casos julgados em outros Estados. Isso sem falar naquilo que o presidente da Associação dos Magistrados Brasileiros chamou de "a infâmia do calote dos precatórios", em que São Paulo tem lamentável liderança. É hora de aproveitar o acordo como catalisador de novas iniciativas.


Texto Anterior: Disputa por Cantareira pode mudar plano
Próximo Texto: Livros jurídicos
Índice



Copyright Empresa Folha da Manhã S/A. Todos os direitos reservados. É proibida a reprodução do conteúdo desta página em qualquer meio de comunicação, eletrônico ou impresso, sem autorização escrita da Folhapress.