São Paulo, segunda-feira, 13 de abril de 2009

Texto Anterior | Próximo Texto | Índice

CONTRA

Muro ou trincheira?

SÉRGIO MAGALHÃES
ESPECIAL PARA A FOLHA

Cercar favelas da zona sul com muros é uma resposta de natureza semiológica a uma questão política. Sabemos que essas áreas estão relativamente contidas, por obstáculos naturais ou por limites construídos. Morros da zona sul tiveram a sua área florestada expandida. Não obstante, as favelas, como quaisquer outros elementos urbanos, não podem dispor do território indistintamente.
É do interesse da cidade e dos próprios assentamentos. A ocupação limitada, que preserva as infraestruturas implantadas, é consensual entre moradores e governos. Obras do Favela-Bairro construíram limites facilmente identificáveis. Onde possível, com muros, largos, mas de apenas 30 cm de altura, como no Vidigal. No entanto, a violência que assola nossas cidades tem produzido um sentimento de estranhamento em relação à diversidade. Bastamo-nos em nossos iguais. Diferente, a favela tem sido estigmatizada como lugar que dá causa à violência. É como se, sem favelas, a cidade se tornasse pacífica.
Ora, a violência tem outras matrizes, onde a morfologia urbanística por certo não tem protagonismo. Podem ser inseguros lugares com ruas retas e edifícios regulares; há favelas com e sem violência. A questão é de natureza política porque ela se estrutura na escassez de democracia. Territórios inteiros onde habitam milhares de cidadãos se encontram sob domínio de bandidos, que impõem suas próprias leis.
São territórios pobres, sejam favelas, loteamentos ou conjuntos residenciais. Dominados pelo tráfico ou por milícias, dissemina-se a violência. Mas o clamor contra a violência é gigantesco, com razão; a indignação é enorme; o medo aumenta. O governo reage muito bem quando anuncia a retomada dos territórios e a permanência da legalidade. Não reage tão bem quando confere aos muros um papel que serão incapazes de desempenhar. Na eventualidade desses territórios permanecerem no descontrole, os muros podem virar trincheiras para os marginais.
A incorporação ao Estado democrático dos territórios hoje na anomia construirá os muros mais poderosos contra a violência, bem como limites mais efetivos contra o crescimento de favelas. Tal é a resposta política que desejamos.

SÉRGIO MAGALHÃES, arquiteto, professor da FAU-UFRJ, foi secretário de Habitação do Rio de Janeiro (1993-2000).


Texto Anterior: Muros que limitam favelas dividem opiniões no Rio
Próximo Texto: A favor: Os muros verdes
Índice



Copyright Empresa Folha da Manhã S/A. Todos os direitos reservados. É proibida a reprodução do conteúdo desta página em qualquer meio de comunicação, eletrônico ou impresso, sem autorização escrita da Folhapress.