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MÁFIA DOS ADVOGADOS
Policiais acusam escritórios de advocacia comandados por ex-oficiais de ficar com dinheiro de precatórios
Esquema desvia verba de PMs aposentados
ALEXANDRE OLTRAMARI
EM SÃO PAULO
Advogados de São Paulo, entre
eles oficiais aposentados da Polícia Militar, estão sob suspeita de
desviar dinheiro público que deveria ser pago a PMs e viúvas de
policiais por decisão judicial.
Durante 20 anos, entre 76 e 96,
pelo menos 136 precatórios (dívida judicial do Estado) em nome
de milhares de policiais foram pagos pelo governo de São Paulo. O
dinheiro foi sacado por 27 escritórios de advocacia, mas autores
dos processos dizem que nunca
foram comunicados disso.
O tamanho exato do fenômeno
ainda é incerto. Uma conta modesta indica que os 27 escritórios
suspeitos receberam mais de R$
100 milhões nos 136 precatórios
pesquisados pela Folha.
A partir de setembro deste ano,
quando o governo de São Paulo
começa a pagar os precatórios de
97, os mesmos advogados devem
sacar outros R$ 49,9 milhões por
causa de 50 ações trabalhistas coletivas que venceram em nome de
mais PMs.
Contra os advogados
A Folha apurou que, apenas
neste ano, 220 viúvas, policiais
militares aposentados e em atividade descobriram que seus processos foram vencidos e pagos pelo governo sem que eles ficassem
sabendo.
Os PMs procuraram dois escritórios de São Paulo (o Pinheiro,
Goyos, Martins & Gomes Associados e a advogada Edith Roitburd) para entrar com ações judiciais contra os antigos advogados.
Os policiais exigem a prestação
de contas de suas ações e querem
reaver o dinheiro que dizem não
ter recebido.
Pelo menos um dos PMs aparece em cada uma das 136 ações coletivas pesquisadas pela Folha entre 76 e 96. Os processos menores
têm 36 autores e os maiores, 460.
Ao multiplicar o menor número
de autores em uma ação, 36, pelo
total de processos vencidos e pagos pelo Estado, 136, chega-se à cifra de no mínimo 4.896 PMs que
deveriam ser beneficiados nos 136
processos sob suspeita de desvio.
Entre os policiais que garantem
ter sido lesados, há quem afirme
nunca ter visto um centavo do dinheiro a que tem direito. Há, também, gente que recebeu depósitos
esparsos em conta corrente, mas,
como dizem nunca ter recebido a
prestação de contas pelo advogado, até hoje não sabem se receberam tudo o que tinham direito.
Eles vão entrar com ações na Justiça nos próximos dias.
Resíduo milionário
Levantamento feito pela Folha
indica que, dos 136 processos pagos pelo Estado, nos quais os autores garantem não ter tomado
conhecimento, 32 foram quitados. A maior parte das outras 103
ações também foi paga, mas restou o que os técnicos chamam de
"resíduo".
Resíduo, quando o assunto é
precatório, é a correção monetária aplicada sobre o crédito entre a
data do cálculo pela Justiça e o pagamento da dívida pelo governo.
Em apenas 24 dos 103 processos
pagos parcialmente, o "resíduo"
soma R$ 31,03 milhões.
Dos 136 processos pagos parcialmente ou totalmente, 104 foram recebidos pelos escritórios de
seis ex-oficiais da Polícia Militar.
Desses, dois deles, o coronel Dorival Rossi e o tenente Oswaldo
D'Asti de Lima, são responsáveis
por 71 ações -o que representa
52% do total de processos pesquisados pela Folha.
Dorival Rossi e Oswaldo D'Asti
de Lima deixaram a corporação
nas décadas de 70 e 80 para advogar. Rossi se aposentou em fevereiro de 80 como coronel. D'Asti
foi exonerado como tenente, a seu
pedido, em abril de 74.
Ambos têm procurações para
receber R$ 19,03 milhões em precatórios que o governo deve começar a pagar aos PMs de São
Paulo a partir de setembro.
Eles tinham escritório no mesmo endereço, mas desde 94 Rossi
trabalha em casa, no Jardim França, zona norte de São Paulo.
Nos processos pesquisados pela
Folha, D'Asti e Rossi, os dois advogados que mais receberam precatórios em nome de PMs, são
réus em processos de prestação de
contas que tramitam na Justiça de
São Paulo.
Dorival Rossi é réu em 26 ações
e sua filha, a advogada Ediangele
Rossi, em outras 13. Oswaldo
D'Asti é réu em 30 ações.
A ação de prestação de contas é
movida quando um advogado,
depois de receber uma procuração, não dá satisfação ao cliente
que o contratou.
D'Asti de Lima e Dorival Rossi
também são réus em 21 processos
disciplinares que tramitam na
OAB (Ordem dos Advogados do
Brasil), em São Paulo.
O primeiro tem 15 processos e o
segundo, seis.
Na OAB, uma denúncia só vira
processo depois que o advogado
acusado apresenta sua defesa e
um relator, nomeado pela entidade, admite que há indícios para
instauração de processo.
Foi exatamente isso o que aconteceu com as 21 ações em que os
dois advogados são réus na OAB.
A Folha apurou que um dos advogados, inclusive, já foi punido
pela entidade.
As punições variam de advertência à exclusão. Não se sabe que
tipo de punição nem a qual advogado a pena foi imposta porque os
processos tramitam em sigilo na
OAB.
Em causa própria
A grita é geral. O major Gesofato
Vernim, presidente da Associação dos Policiais Militares da Ativa, da Reserva e Pensionistas de
São Paulo (Aipomesp), uma entidade com 8.000 filiados, fica exasperado com a pergunta sobre os
precatórios dos policiais.
"Os advogados estão recebendo
o dinheiro sem repassar para os
PMs", afirma. "O Rossi e o D'Asti
têm a maior parte dos processos.
São desonestos porque ludibriam
os clientes."
Para recolher as assinaturas de
milhares de PMs com o objetivo
de ingressar com ações coletivas
na Justiça, os advogados costumam fazer visitas aos quartéis de
São Paulo para oferecer seus serviços.
Não cobram nada durante a tramitação do processo, mas os honorários dificilmente ficam em
menos de 30% do valor total da
ação.
Assim atua a maior parte dos
advogados que ingressam com
ações coletivas em nome de PMs.
Mas há gente inovando na hora
de conquistar novos clientes.
O tenente Oswaldo D'Asti de Lima, por exemplo, usa a União das
Pensionistas da Caixa Beneficente
da Polícia Militar.
Trata-se de uma entidade localizada na rua Dr. Rodrigo de Barros, no bairro da Luz, região central de São Paulo. Documento enviado às associadas, ao qual a Folha teve acesso, revela como funciona o aliciamento.
Com o argumento de informar
sobre os serviços prestados, a entidade envia cartas às associadas
avisando, entre outras coisas,
"que vende cestas básicas, tem
convênio com a Ótica Visão e dispõe de uma colônia de férias, na
Praia Grande, com apartamento
imobiliado (sic) de três cômodos
e direito à vaga na garagem".
No item três, contudo, surge a
novidade. O texto diz que a entidade recebe a "entrada com procurações, pleiteando benefícios,
junto ao advogado dr. D'Asti,
quando é esgotado recurso perante à Polícia Militar".
Ou seja: entre os benefícios que
a União das Pensionistas oferece
às associadas está a possibilidade
de ser cliente do dr. D'Asti em
uma ação.
Analisando-se o organograma
da entidade, porém, descobre-se
o motivo da preferência pelo advogado D'Asti de Lima. A presidente da entidade é Hortência
D'Asti de Lima. Trata-se da mãe
do advogado.
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